sexta-feira, 22 de abril de 2011

Homilia de Bento XVI na Missa de Quinta-feira Santa, no Vaticano

Quinta-feira, 21 de abril de 2011

Amados irmãos e irmãs!

"Desejei ardentemente comer convosco esta Páscoa, antes de padecer" (Lc 22, 15): com estas palavras Jesus inaugurou a celebração do seu último banquete e da instituição da Sagrada Eucaristia. Jesus foi ao encontro daquela hora, desejando-a. No seu íntimo, esperou aquele momento em que haveria de dar-Se aos seus sob as espécies do pão e do vinho. Esperou aquele momento que deveria ser, de algum modo, as verdadeiras núpcias messiânicas: a transformação dos dons desta terra e o fazer-Se um só com os seus, para os transformar e inaugurar assim a transformação do mundo.

No desejo de Jesus, podemos reconhecer o desejo do próprio Deus: o seu amor pelos homens, pela sua criação, um amor em expectativa. O amor que espera o momento da união, o amor que quer atrair os homens a si, para assim realizar também o desejo da própria criação: esta, de fato, aguarda a manifestação dos filhos de Deus (cf. Rm , 19). Jesus deseja-nos, aguarda-nos. E nós, temos verdadeiramente desejo d’Ele? Sentimos, no nosso interior, o impulso para O encontrar? Ansiamos pela sua proximidade, por nos tornarmos um só com Ele, dom este que Ele nos concede na sagrada Eucaristia? Ou, pelo contrário, sentimo-nos indiferentes, distraídos, inundados por outras coisas?

Sabemos pelas parábolas de Jesus sobre banquetes, que Ele conhece a realidade dos lugares que ficam vazios, a resposta negativa, o desinteresse por Ele e pela sua proximidade. Os lugares vazios no banquete nupcial do Senhor, com ou sem desculpa, há já algum tempo que deixaram de ser para nós uma parábola, tornando-se uma realidade, justamente naqueles países aos quais Ele tinha manifestado a sua proximidade particular. Jesus sabia também de convidados que viriam sim, mas sem estar vestidos de modo nupcial: sem alegria pela sua proximidade, fazendo-o somente por costume e com uma orientação bem diversa na sua vida.

São Gregório Magno, numa das suas homilias, perguntava-se: Que gênero de pessoas são aquelas que vêm sem hábito nupcial? Em que consiste este hábito e como se pode adquiri-lo? Eis a sua resposta: Aqueles que foram chamados e vêm, de alguma maneira têm fé. É a fé que lhes abre a porta; mas falta-lhes o hábito nupcial do amor. Quem não vive a fé como amor, não está preparado para as núpcias e é expulso. A comunhão eucarística exige a fé, mas a fé exige o amor; caso contrário, está morta, inclusive como fé.

Sabemos pelos quatro Evangelhos, que o último banquete de Jesus, antes da Paixão, foi também um lugar de anúncio. Jesus propôs, uma vez mais e com insistência, os elementos estruturais da sua mensagem. Palavra e Sacramento, mensagem e dom estão inseparavelmente unidos. Mas, durante o último banquete, Jesus sobretudo rezou.

Mateus, Marcos e Lucas usam duas palavras para descrever a oração de Jesus no momento central da Ceia: eucharistesas e eulogesas – agradecer e abençoar. O movimento ascendente do agradecimento e o movimento descendente da bênção aparecem juntos. As palavras da transubstanciação são uma parte desta oração de Jesus. São palavras de oração. Jesus transforma a sua Paixão em oração, em oferta ao Pai pelos homens. Esta transformação do seu sofrimento em amor possui uma força transformadora dos dons, nos quais agora Jesus Se dá a Si mesmo. Ele no-los dá, para nós e o mundo sermos transformados. O objetivo próprio e último da transformação eucarística é a nossa transformação na comunhão com Cristo. A Eucaristia tem em vista o homem novo, com uma novidade tal que assim só pode nascer a partir de Deus e por meio da obra do Servo de Deus.

A partir de Lucas e sobretudo de João, sabemos que Jesus, na sua oração durante a Última Ceia, dirigiu também súplicas ao Pai – súplicas que, ao mesmo tempo, contêm apelos aos seus discípulos de então e de todos os tempos. Nesta hora, queria escolher somente uma súplica que, segundo João, Jesus repetiu quatro vezes na sua Oração Sacerdotal. Como O deve ter angustiado no seu íntimo! Tal súplica continua sem cessar sendo a sua oração ao Pai por nós: trata-se da oração pela unidade. Jesus diz explicitamente que tal súplica vale não somente para os discípulos então presentes, mas tem em vista todos aqueles que hão-de acreditar n’Ele (cf. Jo 17, 20). Pede que todos se tornem um só, "como Tu, ó Pai, estás em Mim, e Eu em Ti, que eles também estejam em nós, para que o mundo acredite" (Jo 17, 21).

Só pode haver a unidade dos cristãos se estes estiverem intimamente unidos com Ele, com Jesus. Fé e amor por Jesus: fé no seu ser um só com o Pai e abertura à unidade com Ele são essenciais. Portanto, esta unidade não é algo somente interior, místico. Deve tornar-se visível; tão visível que constitua para o mundo a prova do envio de Jesus pelo Pai. Por isso, tal súplica tem escondido um sentido eucarístico que Paulo pôs claramente em evidência na Primeira Carta aos Coríntios: "Não é o pão que nós partimos uma comunhão com o Corpo de Cristo? Uma vez que existe um só pão, nós, que somos muitos, formamos um só corpo, visto participarmos todos desse único pão" (1 Cor 10, 16-17). Com a Eucaristia, nasce a Igreja. Todos nós comemos o mesmo pão, recebemos o mesmo corpo do Senhor, e isto significa: Ele abre cada um de nós para além de si mesmo. Torna-nos todos um só.

A Eucaristia é o mistério da proximidade e comunhão íntima de cada indivíduo com o Senhor. E, ao mesmo tempo, é a união visível entre todos. A Eucaristia é sacramento da unidade. Ela chega até ao mistério trinitário, e assim cria, ao mesmo tempo, a unidade visível. Digamo-lo uma vez mais: a Eucaristia é o encontro pessoalíssimo com o Senhor, e no entanto não é jamais apenas um ato de devoção individual; celebramo-la necessariamente juntos. Em cada comunidade, o Senhor está presente de modo total; mas Ele é um só em todas as comunidades. Por isso, fazem necessariamente parte da Oração Eucarística da Igreja as palavras: "una cum Papa nostro et cum Episcopo nostro". Isto não é um mero acréscimo exterior àquilo que acontece interiormente, mas expressão necessária da própria realidade eucarística. E mencionamos o Papa e o Bispo pelo nome: a unidade é totalmente concreta, tem nome. Assim, a unidade torna-se visível, torna-se sinal para o mundo, e estabelece para nós mesmos um critério concreto.

São Lucas conservou-nos um elemento concreto da oração de Jesus pela unidade: "Simão, Simão, Satanás reclamou o poder de vos joeirar como ao trigo. Mas Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos" (Lc 22, 31-32). Com pesar, constatamos novamente, hoje, que foi permitido a Satanás joeirar os discípulos visivelmente diante de todo o mundo. E sabemos que Jesus reza pela fé de Pedro e dos seus sucessores. Sabemos que Pedro, que através das águas agitadas da história vai ao encontro do Senhor e corre perigo de afundar, é sempre novamente sustentado pela mão do Senhor e guiado sobre as águas. Mas vem depois um anúncio e uma missão. "Tu, uma vez convertido...".

Todos os seres humanos, à exceção de Maria, têm continuamente necessidade de conversão. Jesus prediz a Pedro a sua queda e a sua conversão. De que é que Pedro teve de converter-se? No início do seu chamamento, assombrado com o poder divino do Senhor e com a sua própria miséria, Pedro dissera: "Senhor, afasta-Te de mim, que eu sou um homem pecador" (Lc 5, 8). Na luz do Senhor, reconhece a sua insuficiência. Precisamente deste modo, com a humildade de quem sabe que é pecador, é que Pedro é chamado. Ele deve reencontrar sem cessar esta humildade. Perto de Cesareia de Filipe, Pedro não quisera aceitar que Jesus tivesse de sofrer e ser crucificado: não era conciliável com a sua imagem de Deus e do Messias.

No Cenáculo, não quis aceitar que Jesus lhe lavasse os pés: não se adequava à sua imagem da dignidade do Mestre. No horto das oliveiras, feriu com a espada; queria demonstrar a sua coragem. Mas, diante de uma serva, afirmou que não conhecia Jesus. Naquele momento, isto parecia-lhe uma pequena mentira, para poder permanecer perto de Jesus. O seu heroísmo ruiu num jogo mesquinho por um lugar no centro dos acontecimentos. Todos nós devemos aprender sempre de novo a aceitar Deus e Jesus Cristo como Ele é, e não como queríamos que fosse. A nós também nos custa aceitar que Ele esteja à mercê dos limites da sua Igreja e dos seus ministros.

Também não queremos aceitar que Ele esteja sem poder neste mundo. Também nos escondemos por detrás de pretextos, quando a pertença a Ele se nos torna demasiado custosa e perigosa. Todos nós temos necessidade da conversão que acolhe Jesus no seu ser Deus e ser-Homem. Temos necessidade da humildade do discípulo que segue a vontade do Mestre. Nesta hora, queremos pedir-Lhe que nos fixe como fixou Pedro, no momento oportuno, com os seus olhos benévolos, e nos converta.

Pedro, o convertido, é chamado a confirmar os seus irmãos. Não é um fato extrínseco que lhe seja confiado este dever no Cenáculo. O serviço da unidade tem o seu lugar visível na celebração da sagrada Eucaristia. Queridos amigos, é um grande conforto para o Papa saber que, em cada Celebração Eucarística, todos rezam por ele; que a nossa oração se une à oração do Senhor por Pedro. É somente graças à oração do Senhor e da Igreja que o Papa pode corresponder ao seu dever de confirmar os irmãos: apascentar o rebanho de Cristo e fazer-se garante daquela unidade que se torna testemunho visível do envio de Jesus pelo Pai.

"Desejei ardentemente comer convosco esta Páscoa". Senhor, Vós tendes desejo de nós, de mim. Tendes desejo de nos fazer participantes de Vós mesmo na Sagrada Eucaristia, de Vos unir a nós. Senhor, suscitai também em nós o desejo de Vós. Reforçai-nos na unidade convosco e entre nós. Dai à vossa Igreja a unidade, para que o mundo creia. Amém.

São Leão Magno: 8ª homilia sobre a Paixão

«Uma vez erguido da terra, atrairei tudo a mim» (Jo 12,32).




Oh poder admirável da cruz! Oh glória inefável da Paixão! Ali se encontra o tribunal do Senhor, ali o julgamento do mundo, ali o poder do crucificado!

Tudo atraíste a ti, Senhor, e quando, «durante um dia inteiro, estendias as tuas mãos a um povo incrédulo e rebelde» (Is 65,2; Rm 10,21) todos receberam a inteligência para confessar a tua majestade.

Tudo atraíste a ti, Senhor, porque todos os elementos da natureza pronunciaram a sua sentença..., a criação inteira recusou servir os ímpios (Mt 27,45s).

Tudo atraíste a ti, Senhor, porque, quando o véu do Templo se rasgou, o símbolo do Santo dos Santos manifestou-se verdadeiramente... e a Lei antiga conduziu ao Evangelho.

Tudo atraíste a ti, Senhor, a fim de que o culto de todas as nações seja celebrado por um sacramento pleno, finalmente manifestado...

Porque a tua cruz é a fonte de todas as bênçãos, a origem de todas as graças. Da fraqueza da cruz, os crentes recebem a força; do seu opróbrio, a glória; da tua morte, a vida.

Com efeito, agora a diversidade dos sacrifícios chegou ao fim; a oferenda única do teu corpo e do teu sangue consome todas as diferentes vítimas oferecidas no mundo inteiro, porque tu és o verdadeiro Cordeiro de Deus que tiras o pecado do mundo (Jo 1,29). Tu completas em ti todas as religiões de todos os homens para que todos os povos não sejam mais do que um só Reino.


Fonte: http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/pais_da_igreja/s_leao_magno_antologia.html

D. Javier Echevarría: A Sexta-feira Santa

Hoje queremos acompanhar Cristo na Cruz. Recordo umas palavras de São Josemaria, numa Sexta-Feira Santa. Convidava-nos a reviver pessoalmente as horas da Paixão: desde a agonia de Jesus no Horto das Oliveiras até à flagelação, a coroação de espinhos e a morte na Cruz. Dizia: atada a omnipotência de Deus por mão de homem levam o meu Jesus de um lado para outro, entre os insultos e os empurrões da multidão.

Cada um de nós pode se ver no meio daquela multidão, porque foram os nossos pecados a causa da imensa dor que se abate sobre a alma e o corpo do Senhor. Sim: cada um de nós leva Cristo, convertido em objeto de troça, de uma a outra parte. Somos nós que, com os nossos pecados, reclamamos aos gritos a sua morte. E Ele, perfeito Deus e perfeito Homem, deixa-nos agir. Tinha-o predito o profeta Isaías: maltratado, não abriu a sua boca; como cordeiro levado ao matadouro, como ovelha muda ante os tosquiadores.

É justo que sintamos a responsabilidade dos nossos pecados. É lógico que estejamos muito agradecidos a Jesus. É natural que procuremos a reparação, porque às nossas manifestações de desamor, Ele responde sempre com um amor total. Neste tempo da Semana Santa, vemos o Senhor mais próximo, mais semelhante aos seus irmãos os homens... Meditemos umas palavras de João Paulo II: Quem crê em Jesus crucificado e ressuscitado leva a Cruz como um triunfo, como prova evidente de que Deus é amor... Mas a fé em Cristo nunca se pode dar por pressuposta. O mistério pascal, que reviveremos nos dias da Semana Santa, é sempre atual. (Homilia, 24-III-2002).

Peçamos a Jesus, nesta Semana Santa, que desperte na nossa alma a consciência de ser homens e mulheres verdadeiramente cristãos, para que vivamos de cara a Deus e, com Deus, voltados a todas as pessoas.

Não deixemos que o Senhor leve a Cruz sozinho. Acolhamos com alegria os pequenos sacrifícios diários.

Aproveitemos a capacidade de amar, que Deus nos concedeu, para concretizar propósitos, mas sem ficarmos num mero sentimentalismo. Digamos sinceramente: Senhor, nunca mais! Nunca mais! Peçamos com fé para que nós e todas as pessoas da terra descubramos a necessidade de ter ódio ao pecado mortal e de repelir o pecado venial deliberado, que tantos sofrimentos causaram ao nosso Deus.

Que grande é o poder da Cruz! Quando Cristo é objeto de riso e de escárnio para todo o mundo; quando está no Madeiro sem querer arrancar os cravos; quando ninguém daria nem um centavo pela sua vida, o bom ladrão – um como nós – descobre o amor de Cristo agonizante, e pede perdão. Hoje estarás comigo no Paraíso. Que força tem o sofrimento, quando se aceita junto de Nosso Senhor! É capaz de tirar – das situações mais dolorosas – momentos de glória e de vida. Esse homem que se dirige a Cristo agonizante, encontra a remissão dos seus pecados, a felicidade para sempre.

Nós temos de fazer o mesmo. Se perdermos o medo da Cruz, se nos unirmos a Cristo na Cruz, receberemos a sua graça, a sua força, a sua eficácia. E encher-nos-emos de paz.

Ao pé da Cruz descobrimos Maria, Virgem fiel. Peçamos-lhe, nesta Sexta-Feira Santa, que nos empreste o seu amor e a sua força, para que também nós saibamos acompanhar Jesus. Dirigimo-nos a Ela com umas palavras de São Josemaria, que ajudaram milhões de pessoas. Diz: Minha Mãe (tua, porque és seu por muitos títulos), que o teu amor me ate à Cruz do teu Filho; que não me falte a Fé, nem a valentia, nem a audácia, para cumprir a vontade do nosso Jesus.

Homilia de Raniero Cantalamessa da Sexta-Feira Santa no Vaticano

Sexta-feira, 22 de abril de 2011, 14h30

"Verdadeiramente este era o Filho de Deus!"

Na sua paixão - escreve São Paulo a Timóteo - Jesus Cristo "deu o seu testemunho fazendo sua bela profissão" (1 Tm 6, 13). Nós nos perguntamos, testemunho de quê? Não da verdade de sua vida e da sua causa. Muitos morreram e, ainda hoje, morrem, por uma causa equivocada, acreditando que seja justa. A ressurreição, esta sim testemunha a verdade de Cristo: "Deus deu a todos prova segura sobre Jesus, ressuscitando-o dos mortos", diz o apóstolo, no Areópago de Atenas (At 17, 31).

A morte não testemunha a verdade, mas o amor de Cristo. De tal amor se constitui, de fato, a prova suprema: "Ninguém tem amor maior do que aquele que dá a vida por seus amigos" (Jo 15, 13). Pode-se objetar que há um amor maior do que dar a vida por seus amigos, é dar sua vida pelos seus inimigos. Mas foi isso precisamente que Jesus fez: "Cristo morreu pelos ímpios – escreve o apóstolo na Carta aos Romanos –. A rigor, alguém morreria por um justo; por uma pessoa muito boa talvez alguém se anime a morrer. Mas eis aqui uma prova brilhante de amor de Deus por nós: quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós" (Ro 5, 6-8). "Amou-nos quando éramos inimigos, para poder nos tornar amigos" [1].

Uma cerca unilateral "teologia da cruz" pode fazer-nos esquecer o essencial. A cruz não é só juízo de Deus sobre o mundo, refutação de sua sabedoria e revelação de seu pecado. Não, não é um "não" de Deus ao mundo, mas o seu "sim" de amor: "A injustiça, o mal como realidade não pode ser simplesmente ignorado, deixado como está. Deve ser eliminado, vencido. Apenas esta é a verdadeira misericórdia. E que agora, já que os homens não são capazes de fazê-lo, Deus mesmo o faz – esta é a bondade incondicional de Deus" [2].


* * *


Mas como ter a coragem de falar do amor de Deus, enquanto temos diante dos olhos tantas tragédias humanas, como a catástrofe que se abateu sobre o Japão, ou as mortes no mar nas últimas semanas? Não fale de tudo? Mas permanecer em completo silêncio seria trair a fé e ignorar o significado do mistério que celebramos.

Há uma verdade a se proclamar com força na Sexta-feira Santa. Aquele que contemplamos sobre a cruz é Deus "in persona". Sim, é também o homem Jesus de Nazaré, mas esta é uma pessoa com o Filho do Pai Eterno. Até que não se reconheça e leve a sério o dogma fundamental da fé cristã – o primeiro definido dogmaticamente em Niceia – que Jesus Cristo é o Filho de Deus, o próprio Deus, da mesma substância do Pai, a dor humana permanecerá sem resposta.

Não se pode dizer que "a questão de Jó permanece sem resposta", que nem mesmo a fé cristã teria uma resposta ao sofrimento humano, se de saída se recusa a resposta que essa afirma ter. O que se faz para assegurar a alguém que certa bebida não contém veneno? Bebe-se antes dele, na frente dele! Assim fez Deus com os homens. Ele bebeu o amargo cálice da paixão. Não pode ser assim tão envenenado o sofrimento humano, não pode ser apenas negatividade, perda, absurdo, se o próprio Deus escolheu prová-lo. No fundo do cálice deve haver uma pérola.

O nome da pérola nós conhecemos: Ressurreição! "Tenho para mim que os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada" (Rm 8, 18), e ainda "Enxugará toda lágrima de seus olhos e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor, porque passou a primeira condição" (Ap 21, 4).

Se a corrida da sua vida acaba aqui, seria muito desesperador pensar nos milhões, talvez bilhões, de seres humanos que iniciam em desvantagem, mergulhados na pobreza e no subdesenvolvimento desde o ponto de partida, até mesmo sem poder participar corrida. Mas não é assim. A morte não só elimina as diferenças, mas as derruba. "Ora, aconteceu morrer o mendigo e ser levado pelos anjos ao seio de Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado" no inferno (cf. Lc 16, 22-23).

Não podemos aplicar de forma simplista este esquema à realidade social, mas ele está lá para nos alertar que a fé na ressurreição não deixa que ninguém em seu silencioso viver. Lembra-nos que a máxima "viver e deixar viver" nunca deve se tornar a máxima "viver e deixar morrer".

A resposta da cruz não é apenas para nós, cristãos, é para todos, porque o Filho de Deus morreu por todos. Há no mistério da redenção um aspecto objetivo e um aspecto subjetivo; é o fato em si, e a tomada de consciência e resposta de fé a ele. O primeiro se estende para além do segundo. "O Espírito Santo - diz o texto do Concílio Vaticano II - de um modo conhecido por Deus, dá a todos a oportunidade de estar associados ao mistério pascal" [3].

Um dos modos de estar envolvido no mistério pascal é próprio do sofrimento: "Sofrer – escreveu João Paulo II na sequência do atentado que sofreu e da longa convalescença – significa tornar-se particularmente receptivo, particularmente aberto à ação das forças salvíficas de Deus, oferecidas em Cristo à humanidade" [4]. O sofrimento, cada sofrimento, mas especialmente o dos inocentes, põe em contato de modo misterioso, ‘conhecido só a Deus’, com a cruz de Cristo.


* * *


Depois de Jesus, aqueles que têm dado a ele o seu belo testemunho e que têm bebido do cálice são os mártires! As histórias de suas mortes eram intituladas inicialmente "passio", paixão, como o sofrimento de Jesus que acabamos de escutar. O mundo cristão volta a ser visitado pela prova do martírio, que se acreditava finda com a queda dos regimes totalitários ateus. Não podemos silenciar perante este testemunho. Os primeiros cristãos honravam seus mártires. Os atos de seus martírios eram lidos e distribuídos entre as igrejas com grande respeito. Hoje mesmo, Sexta-feira Santa de 2011, em um grande país asiático, os cristãos oraram e marcharam em silêncio pelas ruas de algumas cidades para protestar contra a ameaça que paira sobre eles.

Há uma coisa que distingue os atos autênticos dos mártires dos legendários, verificada depois que finda a perseguição. Nos primeiros, quase não há vestígios de polêmica contra os perseguidores, toda a atenção é concentrada no heroísmo dos mártires, não sobre a perversidade dos juízes e carrascos. São Cipriano ordenaria aos seus dar 25 moedas de ouro para o carrasco que cortaria a cabeça. Eles são discípulos de alguém que morreu dizendo: "Pai, perdoai-os, pois não sabem o que fazem". "O sangue de Jesus – recorda o Santo Padre em seu último livro – fala uma linguagem diferente da do sangue de Abel: não pede vingança nem punição, mas é reconciliação [5].

Também o mundo se inclina diante dos testemunhos modernos da fé. Isso se explica por exemplo pelo sucesso inesperado na França do filme "Homens e Deuses", que conta a história de sete monges cistercienses assassinados em Tibhirine, em março de 1996. E como não ficar admirados com as palavras escritas em seu testamento por um político católico, Shahbaz Bhatti, assassinado por causa de sua fé no mês passado? Sue testamento é deixado também para nós, seus irmãos na fé, e seria ingratidão deixá-lo cair no esquecimento.

"Foram-me propostos – escrevia ele – altos cargos no governo e me pediram para abandonar a minha batalha, mas eu sempre recusei isso, mesmo sob o risco da minha própria vida. Eu não quero popularidade, não quero posições de poder. Eu só quero um lugar aos pés de Jesus. Quero que a minha vida, o meu caráter, as minhas ações falem por mim e digam que estou seguindo Jesus Cristo. Esse desejo é tão forte em mim que eu me considerarei privilegiado se, no meu esforço e na minha luta para ajudar os necessitados, os pobres, os cristãos perseguidos de meu país, Jesus quisesse aceitar o sacrifício da minha vida. Eu quero viver para Cristo e por Ele quero morrer".
Parece ressoar o mártir Inácio de Antioquia, quando veio a Roma e sofreu o martírio. O silêncio das vítimas não justifica a culpável indiferença do mundo para com seu destino. "O justo perece sem que ninguém se aperceba; as pessoas de bem são arrebatadas e ninguém se importa (Is 57,1)"!


* * *


Os mártires cristãos não são os únicos sozinhos, temos visto, a sofrer e morrer ao nosso redor. O que podemos oferecer aos que não crêem, além da certeza da nossa fé de que há um resgate para a dor? Podemos sofrer com os que sofrem, chorar com os que choram (Rm 12, 15). Antes de anunciar a ressurreição e a vida, na frente das irmãs enlutadas de Lázaro, Jesus chorou (Jo 11, 35).

Neste momento, sofrer e chorar em particular com o povo japonês, imerso em uma das mais terríveis catástrofes naturais da história. Podemos dizer a esses nossos irmãos em humanidade que estamos admirados por sua dignidade e exemplo de postura e ajuda mútua que deram ao mundo.

A globalização tem ao menos este efeito positivo: a dor de um povo se torna a dor de todos, suscita a solidariedade de todos. Dá-nos a chance de descobrir que somos uma família humana, ligada no bem e no mal. Ajuda-nos a superar as barreiras de raça, cor e religião. Como diz o verso de um de nossos poetas, "Homens, paz! Na extensa terra, grande é o mistério" [6].

Mas devemos também recolher o ensinamento de eventos como este. Terremotos, furacões e outros desastres que atingem inocentes e culpáveis nunca são um castigo de Deus. Dizer o contrário disso significa ofender a Deus e os homens. Mas servem de alerta: neste caso, a advertência de não se iludir que bastam a ciência e a técnica para se salvar. Se não formos capazes de estabelecer limites, podemos nos tornar, estamos vendo, a ameaça mais grave de todas.

Também houve um terremoto no momento da morte de Cristo: "O centurião e seus homens que montavam guarda a Jesus, diante do estremecimento da terra e de tudo o que se passava, disseram entre si, possuídos de grande temor: Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus!" (Mt 27, 54). Mas houve um outro ainda "maior" no momento de sua ressurreição: "E eis que houve um violento tremor de terra: um anjo do Senhor desceu do céu, rolou a pedra e sentou-se sobre ela" (Mt 28, 2).

Assim será sempre. A cada terremoto de morte sucederá um terremoto de ressurreição de vida. Alguém disse: "Agora só um Deus pode nos salvar" (Nur noch ein uns kann Gott retten [7]). Temos a garantia de que o fará porque "de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único" (Jo 3, 16).

Notas originais em italiano:

1. S. Agostino, Commento alla Prima Lettera di Giovanni 9,9 (PL 35, 2051).

2. Cf. J. Ratzinger - Benedetto XVI, Gesù di Nazaret, II Parte, Libreria Editrice Vaticana 2011, pp. 151.

3. Gaudium et spes, 22.

4. Salvifici doloris, 23.

5. J. Ratzinger - Benedetto XVI, op. cit. p.211.

6. G. Pascoli, I due fanciulli.

Antwort. Martin Heidegger im Gespräch, Pfullingen 1988.

O poder do Sangue de Cristo

Queres conhecer o poder do sangue de Cristo? Voltemos às figuras que o profetizaram e recordemos a narrativa do Antigo Testamento: Imolai, disse Moisés, um cordeiro de um ano e marcai as portas com o seu sangue (cf. Ex 12,6-7). Que dizes, Moisés? O sangue de um cordeiro tem poder para libertar o homem dotado de razão? É claro que não, responde ele, não porque é sangue, mas por ser figura do sangue do Senhor. Se agora o inimigo, ao invés do sangue simbólico aspergido nas portas, vir brilhar nos lábios dos fiéis, portas do templo dedicado a Cristo, o sangue verdadeiro, fugirá ainda mais para longe.

Queres compreender mais profundamente o poder deste sangue? Repara de onde começou a correr e de que fonte brotou. Começou a brotar da própria cruz, e a sua origem foi o lado do Senhor. Estando Jesus já morto e ainda pregado na cruz, diz o evangelista, um soldado aproximou-se, feriu-lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu água e sangue: a água, como símbolo do batismo; o sangue, como símbolo da eucaristia. O soldado, traspassando-lhe o lado, abriu uma brecha na parede do templo santo, e eu, encontrando um enorme tesouro, alegro-me por ter achado riquezas extraordinárias. Assim aconteceu com este cordeiro. Os judeus mataram um cordeiro e eu recebi o fruto do sacrifício.

De seu lado saiu sangue e água (Jo 19,34). Não quero, querido ouvinte, que trates com superficialidade o segredo de tão grande mistério. Falta-me ainda explicar-te outro significado místico e profundo. Disse que esta água e este sangue são símbolos do batismo e da eucaristia. Foi destes sacramentos que nasceu a santa Igreja, pelo banho da regeneração e pela renovação no Espírito Santo, isto é, pelo batismo e pela eucaristia que brotaram do lado de Cristo. Pois Cristo formou a Igreja de seu lado traspassado, assim como do lado de Adão foi formada Eva, sua esposa.

Por esta razão, a Sagrada Escritura, falando do primeiro homem, usa a expressão osso dos meus ossos e carne da minha carne (Gn 2,23), que São Paulo refere, aludindo ao lado de Cristo. Pois assim como Deus formou a mulher do lado do homem, também Cristo, de seu lado, nos deu a água e o sangue para que surgisse a Igreja. E assim como Deus abriu o lado de Adão enquanto ele dormia, também Cristo nos deu a água e o sangue durante o sono de sua morte.

Vede como Cristo se uniu à sua esposa, vede com que alimento nos sacia. Do mesmo alimento nos faz nascer e nos nutre. Assim como a mulher, impulsionada pelo amor natural, alimenta com o próprio leite e o próprio sangue o filho que deu à luz, também Cristo alimenta sempre com o seu sangue aqueles a quem deu o novo nascimento.



Das Catequeses de São João Crisóstomo

Pe. Reus sobre a denudação (ou desnudação) dos altares, segundo o rito antigo

A forma ordinária, infelizmente, não prevê maiores detalhes para que se realize tão rico e significativo rito após a Missa da Ceia do Senhor. Providencialmente, por outro lado, podemos nos socorrer das rubricas antigas, e, nesse sentido, segue um comentário do Pe. João Batista Reus, SJ, morto em odor de santidade, em seu excelente "Curso de Liturgia":


DENUDAÇÃO DOS ALTARES

341. Depois das vésperas as velas ficam acesas. O clero fica no côro e procede-se à denudação dos altares. O C, o D e o S com alva, o C e o D com estola roxa, vão cobertos para o altar, recedidos de Ac. Ao chegarem, todos genufletem. O C faz inclinação e de pé no plano entoa em voz alta a antífona: Diviserunt sibi, que o côro continua, recitando depois o Deus, Deus meus, mais ou menos devagar, segundo o número de altares que houver para denudar, e no fim a antífo a (Mem. Rit.). O salmo não se repete. Se não houver clero, o C, o D e o S rezam o salmo e a antífona em voz alta, segurando o S o livro.

Tendo entoado o C a antífona, o C com o D e o S sobe ao supedâneo e tira uma a uma as toalhas do altar, ajudado pelo D e o S. Os Ac põem-nas, dobradas, na credência, tiram as flores, o frontal, etc. Ficam só a cruz com véu roxo (n. 330) e as velas. Se isto não se pode fazer logo cômodamente, faça-se depois e denude-se durante a cerimônia ao menos a maior parte da mesa do altar. (Mem. Rit.)

O C, o D e o S fazem reverência ao altar, põem os barretes e dirigem-se para outros altares, continuando e acabando o salmo, e voltam ao altar-mo y, onde repetem a antífona e se retiram para a sacristia. Se os altares forem muitos, outros sacerdotes, revestidos de sobrepeliz e estola roxa, podem denudar os altares literais, recitando o mesmo salmo. (d. 2959 ad 3.)

Depois, tira-se a água benta das pias até o sábado santo, se é costume. (d. 2682 ad 54.)

terça-feira, 19 de abril de 2011

LOCUÇÃO INTERIOR

O que é Locução Interior:

FENÔMENO MÍSTICO DE COMUNICAÇÃO DO CÉU

Antes de tudo deve se afirmar que não é um fato estranho, nem sensacional, mas é um fenômeno mítico presente na vida da Igreja e descrito nos manuais de teologia espiritual.

Não é uma comunicação com JESUS, N. Senhora ou os Santos e Anjos, através dos sentidos, como acontece nas verdadeiras Aparições, quando os escolhidos de DEUS entram em estado de "êxtase", ou seja, são abstraídos de sua interioridade e também da realidade exterior. Nela (locução interior) não se vê com os olhos, não se ouve com os ouvidos, não se toca nada; não é, também, somente uma boa inspiração, ou a Luz que o ESPÍRITO SANTO derrama, ordinariamente, na mente e no coração dos que rezam e vivem de Fé.

Quando se trata de um fenômeno autêntico, a locução interior é o Dom de tudo o que DEUS quer fazer conhecer e ajudar a cumprir, revestindo-o de pensamentos e palavras humanas, conforme o estilo e linguagem de quem recebe a mensagem.

A pessoa se torna instrumento de comunicação, embora conservando intacta a própria liberdade (não em estado de êxtase), que se manifesta num ato de adesão a ação do ESPÍRITO SANTO. Enquanto acolhe a palavra do Senhor, seu intelecto permanece como que inativo, não vai a procura dos pensamentos, nem da maneira como expressá-los, como acontece, por exemplo, a quem prepara um discurso importante ou escreve uma carta; é realmente um ditado.

São João da Cruz chama de locuções, ou palavras sobrenaturais formais, as palavras distintas que o espírito recebe, não de si mesmo, mas de uma outra pessoa, estando ou não recolhido.

Tanquerey define as locuções ou palavras sobrenaturais como manifestações do pensamento Divino, apreendidas pelos sentidos internos ou externos.

Pode-se então, assim definir as locuções: "São palavras claríssimas, percebidas pela pessoa que as recebe como se nascessem do coração, as quais, unidas entre si, formam uma mensagem do Céu. O chamado do Céu, é quase sempre de improviso, é o Senhor , N. Senhora, os Anjos ou os Santos que tomam a iniciativa do momento e do conteúdo da mensagem."

Para distinguir as locuções autênticas das espúrias, que são fruto de engano deliberado, de mórbida auto-sugestão ou até mesmo da interferência dos demônios, há normas muitos precisas. A literatura nesse ponto, não é rica, nem atualizada; ajudam-nos os escritos dos grandes místicos como: São João da Cruz, Santa Tereza d'Ávila, Santo Inácio de Loyola, Santa Catarina de Gênova e Santa Catarina de Sena.
Também os estudos e tratados de Tanquerey, Royo Marin, A. Poulin, G. Lagrange dentre outros. Mais difícil é avaliar o peso de elemento humano de que se reveste a inefável Palavra de DEUS, para chegar a compreender o que a mensagem contém de essencial, universal e enfim, de Divino.

Alguns exemplos autênticos de locução interior: Os profetas do Antigo Testamento, Santa Catarina de Sena, Pe. Stefano Gobbi, dentre outros.

DEVOÇÃO A NOSSA SENHORA DAS DORES

Foi o Papa Pio X que fixou a data definitiva de 15 de Setembro, conservada no novo calendário litúrgico, que mudou o título da festa, reduzida a simples memória: não mais Sete Dores de Maria, mas menos especificadamente e mais oportunamente: Virgem Maria Dolorosa. Com este título nós honramos a dor de Maria aceita na redenção mediante a cruz. É junto à Cruz que a Mãe de Jesus crucificado torna-se a Mãe do corpo místico nascido da Cruz, isto é, nós somos nascidos, enquanto cristãos, do mútuo amor sacrifical e sofredor de Jesus e Maria. Eis porque hoje se oferece à nossa devota e afetuosa meditação a dor de Maria. Mãe de Deus e nossa.

A devoção, que precede a celebração litúrgica, fixou simbolicamente as sete dores da Co-redentora, correspondentes a outros tantos episódios narrados pelo Evangelho: a profecia do velho Simeão, a fuga para o Egito, a perda de Jesus aos doze anos durante a peregrinação à Cidade Santa, o caminho de Jesus para o Gólgata, a crucificação, a Deposição da cruz, a sepultura, portanto, somos convidados hoje a meditar estes episódios mais importantes que os evangelhos nos apresentam sobre a participação de Maria na paixão, morte e ressurreição de Jesus.

Vamos nós, cristãos, pedir auxílio à Rainha dos Mártires, para que nos mantenha afastados do pecado, e nos dê força, auxílio e paciência para levarmos a nossa Cruz.

As Promessas aos devotos de Nossa Senhora das Dores



Santa Brígida diz-nos, nas suas revelações aprovadas pela Igreja Católica, que Nossa Senhora lhe prometeu conceder sete graças a quem rezar cada dia, sete Ave-Marias em honra de suas principais "Sete dores" e Lágrimas, meditando sobre as mesmas.



Eis as promessas:


1ª - Porei a paz em suas famílias.
2ª - Serão iluminados sobre os Divinos Mistérios.
3ª - Consolá-los-ei em suas penas e acompanhá-los-ei nos seus trabalhos.
4ª - Conceder-lhes-ei tudo o que me pedirem, contanto que não se oponha à vontade de meu adorável Divino Filho e à santificação de suas almas.
5ª - Defendê-los-ei nos combates espirituais contra o inimigo infernal e protegê-los-ei em todos os instantes da vida.
6ª - Assistir-lhes-ei visivelmente no momento da morte e verão o rosto de Sua Mãe Santíssima.
7ª - Obtive de Meu Filho que, os que propagarem esta devoção (às minhas Lágrimas e Dores) sejam transladados desta vida terrena à felicidade eterna, diretamente, pois ser-lhe-ão apagados todos os seus pecados e o Meu filho e Eu seremos a sua eterna consolação e alegria.



Santo Afonso Ligório nos diz que Nosso Senhor Jesus Cristo prometeu, aos devotos de Nossa Senhora das Dores as seguintes graças:


Eis as Graças:



1ª – Que aquele devoto que invocar a divina Mãe pelos merecimentos de suas dores merecerá fazer antes de sua morte, verdadeira penitência de todos os seus pecados.

2ª - Nosso Senhor Jesus Cristo imprimirá nos seus corações a memória de Sua Paixão dando-lhes depois um competente prêmio no Céu.
3ª - Jesus Cristo guardá-los-á em todas as tribulações em que se acharem, especialmente na hora da morte.
4ª - Por fim os deixará nas mãos de sua Mãe para que deles disponha a seu agrado, e lhes obtenha todos e quaisquer favores.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Oremos pelo Santo Padre Bento XVI

Rezemos pelo Santo Padre Bento XVI!
Nesta hora atribulada em que a turba da maldade por todos os meios tenta denegrir a Igreja e a Pessoa do Santo Padre Bento XVI, elevemos ao céu fervorosa oração pela Igreja e pelo Romano Pontífice. Neste Sentido as nossas comunidades vão realizar um Ramalhete Espiritual para entregarmos ao Santo Padre. Assim todos os terços, sacrifícios, missas, comunhões, visitas ao Santíssimo e outras orações e exercícios de piedade, que todos nós fizermos pela Pessoa do Santo Padre, devem ser por nós contabilizados para depois, no mês de Agosto, serem oferecidos ao Santo Padre, sob a forma tradicional de Ramalhete Espiritual.
Deixamos o tradicional Oremus Pro Pontifice Nosto Benedicto em Latim e português.
℣.Oremus pro Pontifice nostro Benedicto.
℟. Dominus conservet eum, et vivificet eum, et beatum faciat eum in terra, et non tradat eum in animam inimicorum eius.

℣. Tu es Petrus,
℟. Et super hanc petram aedificabo Ecclesiam meam.

Oremus. Deus, omnium fidelium pastor et rector, famulum tuum Benedictum, quem pastorem Ecclesiae tuae praeesse voluisti, propitius respice: da ei, quaesumus, verbo et exemplo, quibus praeest, proficere: ut ad vitam, una cum grege sibi credito, perveniat sempiternam. Per Christum, Dominum nostrum. Amen.

℣. Oremos pelo nosso Pontífice Bento
℟.O Senhor o guarde e o fortaleça, lhe dê a felicidade nesta terra e não o abandone á perversidade dos seus inimigos.

℣. Tu és Pedro!
℟. E sobre esta pedra edificarei a minha Igreja!

Oremos. Ó Deus Pastor e guia dos vossos fiéis, olhai com bondade o vosso servo, o Papa Bento, que constituístes Pastor da vossa Igreja; dai-lhe, por sua palavra e exemplo, velar sobre o rebanho que lhe foi confiado para chegar com ele à vida eterna. Por Cristo nosso Senhor. Amém

Ad Orientem

I. ORIENTAÇÃO NA IGREJA PRIMITIVA E DESENVOLVIMENTO DA LITURGIA

A tradição diz-nos que a orientação da Igreja liturgicamente é para o oriente, pois remonta ao início da Igreja nas comunidades primitivas. Esta orientação da oração mantém o seu significado em claro até bem no segundo milênio, como nós aprendemos com o Papa Bento XVI durante seu cardinalato, na obra "O Espírito da Liturgia". Neste trabalho [Bento XVI] faz uma síntese muito precisa, aprovada em renomados historiadores litúrgicos e sagrados.

A orientação para o oriente em oração e, portanto, sobre a Sagrada Liturgia, contém em si uma expressão muito gráfica da síntese cristã da História da Salvação: Nele, a oração é dirigida a Deus Pai, por ação do Espírito Santo, que enviou seu Filho, o Verbo de Deus, para resgatar; dado a nós como penhor da vida eterna, tão admirável, no Santo Sacrifício do Altar, no qual o próprio Jesus Cristo está presente, real e substancial através do trabalho do Espírito Santo, através da Sua Igreja que é seu Corpo Místico de quem ele é a cabeça e voltará no final da história, com glória e majestade. Portanto, a orientação é para o oriente, como ele mostra, em um primeiro aspecto, a espera vigilante do Messias, que é o dom que vem de cima, do Oriente, em um segundo aspecto, a direcção revela a importância, em virtude do nosso sacerdócio comum, temos parcerias com o sacerdote, que, em virtude do sacerdócio de Jesus Cristo age "in persona Christi ", dando o Pai o sacrifício Pura, Imaculada e Santamente, a obtenção do Santo Sacrifício, a santificação de cada um de nós, finalmente, um terceiro aspecto, eloquentemente afirma a esperança cristã na forma vigilante, a segunda vinda do Salvador que vem em glória e majestade (como o Sol da Justiça), para julgar o mundo e para consumar todas as coisas nele.

Missa em Rito Gregoriano, anterior ao Vaticano II
Inicialmente, vemos que, no momento da "Domus Ecclesiae" orientação litúrgica primitiva inicia-se em direção ao leste, porque esta veio diretamente da tradição judaica da sinagoga, onde todos se direcionavam para as escrituras sagradas, que devem ser o caminho para encontrar a presença divina contida no Santo dos Santos do Templo de Jerusalém, destruído no século I de nossa era. Por si só, as sinagogas tinham essa orientação e, portanto, os primeiros cristãos, aprovaram a Sinagoga ser parte da liturgia (agora correspondem a um tipo de "Liturgia da Palavra").


Posteriormente, a Paz de Constantino, que estava começando a construir prédios para as grandes basílicas e igrejas, o que foi possível para orientar corretamente para o leste, seguindo a tradição judaica, mas dando um significado diferente: A orientação é no sentido litúrgico o Oriente Médio, porque vem o sol, que representa Cristo. Portanto, as basílicas e igrejas construídas no período, ou leste ou oeste, estavam em uma ábside (correspondente ao local de destino), uma imagem de Cristo triunfante (ou Pai, em alguns casos), conhecida como o "Pantocrator", que foi sinal visível e evidente dessa orientação litúrgica em direção a Deus.

Com o nascimento da Eucaristia no sacrário, a mesma foi colocada no centro, e assim foi mais fortemente reforçada a orientação da liturgia de Deus, que também está verdadeiramente presente no lugar litúrgico (o que corresponde, muitas vezes mais abside, e em alguns casos, o altar-mor, coberta com o dossel, que foi suspenso o "Dove", que continha a reserva da Eucaristia).

Posteriormente, o desenvolvimento do dogma cristológico e da evolução da tradição da Igreja, especialmente no que em relação à arquitetura sacra, provocou uma mudança perceptível quanto o Pantocrator foi gradualmente substituído pelo crucifixo com a imagem da Paixão, que , sobre a questão da orientação, apenas reafirmando a orientação litúrgica em direção a Deus, mas com particular incidência sobre a Paixão, morte e ressurreição, que são os fatos que mais fortemente desenvolvida no Santo Sacrifício eucarístico. A frase "Sim, que transpassaram", é uma forma sintética para descrever a importância da orientação litúrgica durante estes tempos, que durou sem grandes mudanças em relação ao período anterior ao Concílio Vaticano II.

II . O CONCÍLIO VATICANO II E A ORIENTAÇÃO LITÚRGICA


O Concílio Vaticano II não se pronunciou formalmente sobre a orientação da oração litúrgica na Igreja, portanto, qualquer debate sobre o assunto foi levado mais tarde nos tempos da reforma litúrgica em si. A teologia litúrgica e sacramental na Eucaristia tende a ter uma mudança radical durante este tempo.

O Concílio debateu a necessidade de "levar os fiéis até o altar." Essa frase envolve dois aspectos: O primeiro é encontrar formas em que os fiéis possam participar mais ativamente da Missa, trazendo suas almas para o Santo Sacrifício do Altar, tudo através de uma adequada formação litúrgica. O segundo aspecto é evitar longas distâncias entre o altar e os fiéis (como acontece, por exemplo, as igrejas, com coro, como Notre Dame de Paris, onde a distância entre os fiéis e o altar é muito grande), de modo que os fiéis se sintam participantes da Missa, e olhem com mais detalhes o que acontece no Altar.

Portanto, a necessidade de que foi instruída nas novas igrejas, o altar foi construído próximo aos fiéis. Da mesma forma, foram instruídos a construir longe da parede, para que pudesse ser cercada por lisa (presumivelmente, a questões relacionadas com o incenso.)

No entanto, o Concílio não decidiu sobre uma mudança para a celebração dos Santos Mistérios de forma ad orientem ou versus populum.

No entanto, a instrução "Inter Oecumenici" 1964, preparado pelo Consilium (entidade responsável pela execução das reformas propostas pelo CVII), deu uma interpretação sobre este assunto, que foi claramente uma tentativa "admissível" uma prática já difundida em alguns países desde o início do Movimento Litúrgico, em particular, em relação à Guardini. A citação é:

"É aceitável construír o altar separado da parede para facilitar o regresso e pode ser realizada de frente ao povo, e colocada no edifício sagrado para que ele seja verdadeiramente o centro para o qual torna-se espontaneamente a atenção da assembléia dos fiéis. "

No entanto, esta declaração tem dois tons a considerar: Primeiro, note que é apenas uma recomendação para a construção nova e, por outro, é apenas uma recomendação, por si só e, portanto, não são considerados prescrição normativa. Portanto, é um segundo argumento de importância salientar que a posição "ad orientem" é como conciliar e correta celebração litúrgica da Santa Missa (mesmo que se aceite a celebração versus populum).

Não obstante o acima exposto, em consonância com a interpretação dada por J. A. Jungmann (liturgista) sobre a dispensa da celebração "versus populum" era evidente nos anos seguintes uma instituição de fato de tal orientação (o que é atribuível a uma interpretação de ruptura), o que levou à destruição e mutilação de muitos altares, com um valor cultural, patrimônio litúrgico.

III . O MISSAL ROMANO

O Missal Romano, em sua primeira edição de 1970, fornece outras informações relevantes para a orientação da Liturgia durante a Missa.

Um exemplo é a seguinte frase, tirada da Instrução Geral do Missal Romano, na segunda edição de 1975, o que é equivalente ao correspondente à primeira edição (1970):

. "107 Voltando ao centro do altar voltado para o povo, e estendeu as mãos e convida o povo a orar, dizendo: Orai, irmãos, irmãs [...]"..

Você pode ver com clareza absoluta, se referiu ao "ad orientem", conforme as regras da missa (como o sacerdote deve pronunciar o "Orate Fratres" voltado para o povo, como na forma extraordinária.)

Esta frase de Instrução Geral da terceira edição do Missal Romano de 2000, prevê:

. "146 Então, voltou ao centro do altar, o sacerdote, de pé, voltado para o povo, estendendo e juntando as mãos, convida o povo a orar, dizendo: Orai, irmãos, irmãs .[...]".

Então, mais uma vez, você pode verificar como o "ad orientem" é referido como normativa dentro da missa. No entanto, esta terceira edição inclui uma declaração da Instrução de 1964, dizendo que a celebração versus populum "é altamente desejável, sempre que possível."

Portanto, você pode verificar a grande mudança litúrgica, entre 1975 e 2000, e tornou-se uma "recomendação" em uma "obrigação" que, em nossos tempos, parece ser um dia, se não mais correta, já que rompe com tradição da Igreja, já desde o começo, como se pode atestar a Louis Bouyer, que é citado pelo cardeal Ratzinger em seu famoso livro "O Espírito da Liturgia" e do livro "Gone to the Lord" Monsenhor Klaus Gamber, ou "Voltando-se para o Senhor" Uwe Michael Lang.


A posição "Ad Orientem" ou "Versus Deum" na nova forma do Rito Romano, também conhecido como "Liturgia de Paulo VI" ou "Pós conciliar" . Manteve a tradicional posição de celebrar o Santo Sacrifício do Altar. Muitos sacerdotes e bispos empolgados com a nova e oficial posição "Versus Popolum"(de frente para o povo) começavam a celebrar desta forma e assim se tornou costume em todo o mundo pós concilio Vaticano II. Deixando essa posição restrita a antiga e já "desatualizada" Missa "Tridentina".


Poderíamos colocar a culpa na orientação de se colocar um altar separado da parede, onde o sacerdote pudesse celebrar a Missa de frente para o povo. Assim a maioria entendeu que aquela antiga posição de celebrar estava abolida pelo novo Missal Romano. Vejamos:

"O altar maior deve ser construído separado da parede, de modo a que se possa facilmente andar ao seu redor e celebrar, nele, olhando na direção do povo [versus populum]”. Missal 1970

Já na última Edição de 2002 essa parte foi reformada :

retomou esse texto à letra, mas, no final, acrescentou o seguinte: “Isso é desejável sempre que possível”.

Esse acréscimo foi lido por muitos como um enrijecimento do texto de 1969, no sentido de que agora haveria uma obrigação geral de construir - “sempre que possível” - os altares voltados para o povo. Essa interpretação, porém, já havia sido repelida pela Congregação para o Culto Divino, que tem competência sobre a questão, em 25 de setembro de 2000, quando explicou que a palavra “expedit” [é desejável] não exprime uma obrigação (...).” (Ratzinger, op. cit.)

O Missal Romano de Paulo VI encontramos as informações que confirmam tal ensino: o sacerdote deve, segundo tais textos, durante a Liturgia Eucarística, “voltar-se para o povo” durante alguns atos; isto significa que, se deve voltar-se ao povo, é porque antes estava voltado ad Orientem. “Estes avisos que em certos momentos o sacerdote esteja ‘voltado para o povo’ seriam supérfluos, se o sacerdote durante toda a celebração ficasse atrás do altar e frente ao povo.” (RUDROFF, Pe. Francisco. Santa Missa, Mistério de nossa Fé. 1996).

Nunca a posição ad Orientem foi expressamente proibida por algum decreto, nem esse foi o desejo dos Padres do Concílio Vaticano II, autor da reforma litúrgica. Igualmente, essa é a forma histórica de oferecimento da Missa, observada inclusive pelos ritos orientais.

Algumas congregações Religiosas como os Legionários de Cristo, a Prelazia do Opus Dei, Cartuxos, Dominicanos etc. Celebram de modo privado e público em "Versus Deum" algumas vezes no mês ou até mesmo durante a semana.

Este assunto só veio a tona novamente após o Concílio Vaticano II, com a coragem do Papa Bento XVI, de celebrar "Versus Deum" na Capela Sistina no Vaticano. Onde foi motivo de especulação por vários setores progressistas da Igreja Latina.

Depois da "confusão" ou "mal entendido" , em que se falava que o Papa estava errado ou misturando os ritos , veio a explicação de vários liturgistas e até mesmo de um livro que o Papa tinha escrito no seu tempo de Cardeal.

O Papa Bento XVI, veio mostrar aos bispos e sacerdotes que essa posição não deve ser suprimida ou negada. Ela pode ser feita na "Missa Nova", a instrução do missal indica isso essa posição tradicional.

Uma nota publicada, em 1993 , a Congregação para o Culto (liturgia) , em seu boletim Notitiae, reafirmou o valor de ambas as opções, celebração versus populum ou versus Deum, de modo que quaisquer dúvidas devem ser dissipadas.

“Quando o sacerdote celebra versus populum, sua orientação espiritual deveria ser sempre versus Deum per Iesum Christum [para Deus, por meio de Jesus Cristo].” (Cardeal Joseph Ratzinger, A introdução do decano do Sacro Colégio ao livro de Uwe Michael Lang, in 30 Dias ).


INSTRUÇÕES PARA CELEBRAR A MISSA NOVA "VERSUS DEUM":


Momentos em que o sacerdote deve ficar de frente para os fiéis:

Terminado o canto da entrada, e estando todos de pé, o sacerdote e os fiéis fazem o sinal da cruz. O sacerdote diz: Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. O povo responde: Amém.

· Voltado para o povo e abrindo os braços, o sacerdote saúda-o com uma das fórmulas propostas. Ele mesmo ou outro ministro pode, com brevíssimas palavras, introduzir os fieis na Missa do dia. (IGMR, 124)

· Outra vez no centro do altar, o sacerdote, de pé e voltado para o povo, estendendo e unindo as mãos, convida o povo a rezar, dizendo: Orai irmãos e irmãs etc.

O povo põe-se de pé e responde, dizendo: Receba o Senhor. Em seguida, o sacerdote, de mãos estendidas, diz a Oração sobre as oferendas. No fim o povo aclama: Amém. (IGMR, 146)

Em seguida, o sacerdote, de mãos estendidas, diz em voz alta a oração: Senhor Jesus Cristo, dissestes aos vossos apóstolos...;

· terminada esta, estendendo e unindo as mãos, voltado para o povo, anuncia a paz, dizendo: A paz do Senhor esteja sempre convosco. O povo responde: O amor de Cristo nos uniu. Depois, conforme o caso, o sacerdote ou o Diácono acrescenta: Meus irmãos e irmãs saúdem-vos em Cristo Jesus. (IGMR, 154)

Terminada a oração, o sacerdote faz genuflexão, toma a hóstia consagrada na mesma missa e segurando-a um pouco elevada sobre a patena ou sobre o cálice,

· diz voltado para o povo: Felizes os convidados para a Ceia do Senhor..., e, juntamente com o povo, acrescenta uma só vez: Senhor, eu não sou digno... (IGMR, 157)

Oração pós comunhão:


A seguir, de pé, junto à cadeira ou ao altar,

· voltado para o povo, o sacerdote diz, de mãos unidas Oremos, e de mãos estendidas, recita a Oração depois da Comunhão, que pode ser precedida de um momento de silêncio, a não ser que já se tenha guardado silêncio após a Comunhão. No fim da oração o povo aclama: Amém.
(IGMR, 165)
Para o católico praticante normal, dois parecem ser os resultados mais evidentes da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II: o desaparecimento da língua latina e o altar orientado para o povo. Quem ler os textos conciliares poderá constatar, com espanto, que nem uma nem outra coisa se encontram neles desta forma.


Claro, seria preciso dar espaço à língua vulgar, segundo as intenções do Concílio (cf. Sacrosanctum Concilium 36, 2) - sobretudo no âmbito da liturgia da Palavra - mas, no texto conciliar, a norma geral imediatamente precedente reza: “O uso da língua latina, salvo quando se tratar de um direito particular seja conservado nos ritos latinos” (Sacrosanctum Concilium 36, 1).

Sobre a orientação do altar para o povo, não há sequer uma palavra no texto conciliar. Ela é mencionada em instruções pós-conciliares. A mais importante delas é a Institutio generalis Missalis Romani, a Introdução Geral ao novo Missal Romano, de 1969, onde, no número 262, se lê: “O altar maior deve ser construído separado da parede, de modo a que se possa facilmente andar ao seu redor e celebrar, nele, olhando na direção do povo [versus populum]”. A introdução à nova edição do Missal Romano, de 2002, retomou esse texto à letra, mas, no final, acrescentou o seguinte: “Isso é desejável sempre que possível”. Esse acréscimo foi lido por muitos como um enrijecimento do texto de 1969, no sentido de que agora haveria uma obrigação geral de construir - “sempre que possível” - os altares voltados para o povo. Essa interpretação, porém, já havia sido repelida pela Congregação para o Culto Divino, que tem competência sobre a questão, em 25 de setembro de 2000, quando explicou que a palavra “expedit” [é desejável] não exprime uma obrigação, mas uma recomendação. A orientação física deveria - assim diz a Congregação - ser distinta da espiritual. Quando o sacerdote celebra versus populum, sua orientação espiritual deveria ser sempre versus Deum per Iesum Christum [para Deus, por meio de Jesus Cristo]. Sendo que ritos, sinais, símbolos e palavras nunca podem esgotar a realidade última do mistério da salvação, deve-se evitar posições unilaterais e absolutizantes a respeito dessa questão.

Esse esclarecimento é importante, pois deixa transparecer o caráter relativo das formas simbólicas externas, opondo-se, assim, aos fanatismos que infelizmente nos últimos quarenta anos não tiveram pequena freqüência nos debates em torno da liturgia. Mas, ao mesmo tempo, ilumina também a direção última da ação litúrgica, nunca totalmente expressa nas formas exteriores, e que é a mesma para o sacerdote e para o povo (voltados para o Senhor: para o Pai, por meio de Cristo no Espírito Santo). A resposta da Congregação deveria, portanto, criar um clima menos tenso para a discussão; um clima no qual possam ser procuradas as melhores maneiras de realização prática do mistério da salvação, sem condenações recíprocas, ouvindo atentamente aos outros, mas sobretudo ouvindo as indicações últimas da própria liturgia. Etiquetar apressadamente certas posições como “pré-conciliares”, “reacionárias”, “conservadoras”, ou “progressistas” ou “estranhas à fé”, não deveria mais ser admitido nesse embate, no qual se deveria muito mais deixar espaço a um novo e sincero esforço comum para realizar a vontade de Cristo da melhor forma possível.

Este pequeno livro de Uwe Michael Lang, oratoriano residente na Inglaterra, analisa a questão da orientação da oração litúrgica do ponto de vista histórico, teológico e pastoral. Fazendo isso, reacende, num momento oportuno - assim me parece -, um debate que, apesar das aparências, nunca cessou realmente, mesmo depois do Concílio.

O liturgista de Innsbruck Josef Andreas Jungmann, um dos idealizadores da Constituição sobre a Sagrada Liturgia do Vaticano II, opôs-se firmemente desde o início ao polêmico lugar comum segundo o qual o sacerdote, até aquele momento, teria celebrado “voltando as costas para o povo”. Jungmann sublinhava, ao contrário, que não se tratava de voltar as costas para o povo, mas de assumir a mesma orientação do povo. A liturgia da Palavra tem caráter de proclamação e de diálogo: é dirigir a palavra e responder, e deve ser, conseqüentemente, o voltar-se recíproco de quem proclama para quem escuta e vice-versa. Já a oração eucarística é a oração em que o sacerdote serve de guia, mas na qual está orientado, ao lado do povo e como o povo, para o Senhor. Por isso - segundo Jungmann -, uma mesma direção do sacerdote e do povo pertence à essência da ação litúrgica. Mais tarde, Louis Bouyer - outro dos principais liturgistas do Concílio - e Klaus Gamber, cada um a seu modo, retomaram a questão. Apesar de sua grande autoridade, tiveram desde o início alguns problemas em se fazer ouvir, tão forte era a tendência a pôr em relevo o elemento comunitário da celebração litúrgica e a considerar, por isso, o sacerdote e o povo como reciprocamente voltados um para o outro.

Apenas recentemente o clima se fez menos tenso e, assim, quando alguém faz perguntas como as de Jungmann, Bouyer e Gamber, já não desperta mais a suspeita de que alimente sentimentos “anticonciliares”. Os progressos da pesquisa histórica tornaram o debate mais objetivo, e os fiéis intuem cada vez mais o quanto pode ser discutível uma solução na qual se percebe, a duras penas, a abertura da liturgia para o que a espera e para o que a transcende. Nessa situação, o livro de Uwe Michael Lang, tão agradavelmente objetivo e em nada polêmico, pode revelar-se uma ajuda preciosa. Sem a pretensão de apresentar novas descobertas, ele oferece com grande cuidado os resultados das pesquisas realizadas nas últimas décadas, fornecendo as informações necessárias para que se possa chegar a um juízo objetivo. É muito positivo o fato de se evidenciar, a esse respeito, não apenas a contribuição da Igreja da Inglaterra, pouco conhecida na Alemanha, mas também o debate sobre a questão, interno ao Movimento de Oxford no século XIX, em cujo contexto amadureceu a conversão de John Henry Newman. É com base nisso que se desenvolvem depois as respostas teológicas.


Missa Novus Ordo

Um exemplo bastante notável da má aplicação da reforma litúrgica pós-Vaticano II, é claramente devido a uma má hermenêutica dos documentos do mesmo, correspondente à proibição sistemática da posição "ad orientem" durante a celebração, e sua substituição por exploração de "versus populum"

Excerto da Paschalis Sollemnitatis, sobre o Domingo de Ramos

Da Carta Circular Paschalis Sollemnitatis, de 1988, da Congregação para o Culto Divino, sobre a Preparação e a Celebração das Festas Pascais, tiramos as seguintes instruções relativas ao Domingo de Ramos que se aproxima:


27. Na Semana Santa a Igreja celebra os mistérios da salvação, levados a cumprimento por Cristo nos últimos dias da sua vida, a começar pelo seu ingresso messiânico em Jerusalém. O tempo quaresmal continua até à Quinta-feira Santa. A partir da missa vespertina “in Cena Domini” inicia-se o tríduo pascal, que abrange a Sexta-feira Santa “da paixão do Senhor” e o Sábado Santo, e tem o seu centro na vigília pascal, concluindo-se com as vésperas do domingo da ressurreição. “Os dias feriais da Semana Santa, de segunda-feira a quinta-feria inclusive, têm a precedência sobre todas as outras celebrações”.[31] É oportuno que nestes dias não se celebre nem o Batismo nem a Confirmação.

a) Domingo de Ramos

28. A Semana Santa tem início no Domingo de Ramos da paixão do Senhor, que une num todo o triunfo real de Cristo e o anúncio da paixão. Na celebração e na catequese deste dia sejam postos em evidência estes dois aspectos do mistério pascal.[32]

29, Desde a antigüidade se comemora a entrada do Senhor em Jerusalém com a procissão solene, com a qual os cristãos celebram este evento, imitando as aclamações e os gestos das crianças hebréias, que foram ao encontro do Senhor com o canto do Hosana.[33]

A procissão seja uma só e feita sempre antes da missa com maior concurso de povo, também nas horas vespertinas, tanto do sábado como do domingo. Para realizá-la os fiéis reúnem-se numa igreja menor ou noutro lugar adaptado, fora da igreja para a qual a procissão se dirige. Os fiéis participam nesta procissão levando ramos de oliveira ou de outras árvores.

O sacerdote e os ministros precedem o povo, levando também eles os ramos.[34]

A bênção das palmeiras ou dos ramos é feita para os levar em procissão.

Conservados em casa, os ramos recordam aos fiéis a vitória de Cristo celebrada com a mesma procissão.

Os pastores esforcem-se por que esta procissão, em honra de Cristo Rei, seja preparada e celebrada de modo frutuoso para a vida espiritual dos fiéis.

30. O Missal Romano, para celebrar a comemoração da entrada do Senhor em Jerusalém, além da procissão solene supramencionada, apresenta outras duas formas, não para conceder comodidade e facilidade, mas tendo em consideração dificuldades que possam impedir a procissão.

A segunda forma de comemoração é a entrada solene, quando não se pode fazer a procissão fora da igreja. A terceira forma é a entrada simples, que se faz em todas as missas do domingo, no qual se realiza a entrada solene.[35]

31. Quando não se pode celebrar a missa, convém realizar uma celebração da Palavra de Deus para a entrada messiânica e a paixão do Senhor, nas horas vespertinas do sábado ou na hora mais oportuna do domingo.[36]

32. Na procissão são executados pela schola e pelo povo os cânticos propostos pelo Missal Romano, com os Salmos 23 e 46, e outros cânticos apropriados em honra de Cristo Rei.

33. A história da Paixão reveste particular solenidade. É aconselhável que seja cantada ou lida segundo o modo tradicional, isto é, por três pessoas que representam a parte de Cristo, do cronista e do povo.

A Passio é cantada ou lida pelos diáconos ou sacerdotes ou, na falta deles, pelos leitores; neste caso, a parte de Cristo deve ser reservada ao sacerdote. A proclamação da paixão é feita sem os portadores de castiçais, sem incenso, sem a saudação ao povo e sem o toque no livro; só os diáconos pedem a bênção do sacerdote, como noutras vezes antes do Evangelho.[37]

Para o bem espiritual dos fiéis, é oportuno que a história da Paixão seja lida integralmente sem omitir as leituras que a precedem.

34. Concluída a história da paixão, não se omita a homilia.

---

Notas:

[31] “Normas gerais para o ordenamento do ano litúrgico e do calendário”, n. 16a.

[32] Cf. Caeremoniale Episcoporum, n. 263.

[33] Cf. Missal Romano, Domingo de Ramos e da paixão do Senhor, n. 9.

[34] Cf. Caeremoniale Episcoporum, n. 270.

[35] Cf. Missal Romano, Domingo de Ramos e da paixão do Senhor, n. 16.

[36] Cf. ibid., n. 19.

[37] Cf. Ibid., n. 22. Pro Missa quam episcopus praesidet, cf. Caeremoniale Episcoporum, n. 74.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

DOSSIÊ LITURGIA UMA BABEL PROGRAMADA

Por Andrea Tornielli

A substituição do latim pelo vernáculo na liturgia da Igreja católica foi considerada por muitos uma medida infeliz e saudada por outros como um “aggiornamento” necessário para favorecer a
participação do povo. Todavia, não foi uma decisão do Concílio Ecumênico Vaticano II. O latim ainda é a língua oficial da Igreja, ou pelo menos foi durante dezoito séculos. Cinco anos depois do Concílio, não havia mais sinal dele nos livros litúrgicos católicos. A eliminação total da língua dos antigos romanos aconteceu quase à surdina e em alguns casos contra a vontade do Papa Paulo VI, o qual estabeleceu que ela deveria permanecer ao lado do vernáculo no missal. Esta é a história da reforma e dos protagonistas de um período que marcou profundamente a vida da Igreja.

A VONTADE DE JOÃO XXIII
“A língua latina, que podemos considerar verdadeiramente católica (...) é o vínculo adequado através do qual a época atual da Igreja está admiravelmente unida ao passado e ao futuro.” O Papa João XXIII quis revestir a assinatura da Constituição Apostólica Veterum sapientiae com a maior solenidade.
No dia 22 de fevereiro de 1962, colocou o selo no documento que deveria salvaguardar o latim como língua “imutável” e “universal” da Igreja e da liturgia católica no altar da Confissão, sobre o túmulo de São Pedro, na presença de quarenta cardeais. O documento, promulgado sete meses antes da abertura do Concílio, foi rapidamente esquecido, mas os bispos reunidos em Roma decidiram levá-lo em consideração. A Constituição Sacrosanctum concilium, sobre a liturgia, diz: “Seja conservado o uso da língua latina, salvo o direito particular”. (nº 36) e “Cuide-se para que os fiéis saibam recitar e cantar juntos, inclusive em língua latina, as partes do Ordinário da missa que lhes cabem”. (nº 54). O mesmo critério é usado para a Liturgia das Horas: “Segundo a secular tradição do rito latino, seja conservada a língua latina no Ofício Divino para os clérigos” (nº 101). Em 1964, o liturgista Rinaldo Falsini escreveu no seu comentário à Constituição conciliar: “O Concílio não podia pôr em discussão o princípio da manutenção da língua latina para os ritos que tomavam o nome daquela língua. Atualmente, um abandono integral do latim, em vista da vastidão do patrimônio litúrgico, seria impensável e irrealizável”.
Falsini diz também que a luta contra o uso da língua latina na missa foi aberta pela reação protestante. Formalmente, a língua oficial da Igreja Católica continuava a ser o latim, inclusive nas intenções do Vaticano II. No dia 3 de setembro de 1978, o papa João Paulo I pronunciou em latim a primeira parte da homilia da missa solene de início do pontificado. Em seguida, explicou: “Quisemos iniciar esta nossa homilia em latim porque, como se sabe, esta é a língua oficial da Igreja, da qual exprime de forma palmar e eficaz a universalidade e a unidade”.
Todavia, o latim foi substituído pelo vernáculo e desapareceu dos livros litúrgicos apenas cinco anos depois do encerramento do Concílio. O desaparecimento foi repentino e aparentemente não era intenção dos Padres conciliares, que votaram quase por unanimidade (2.147 votos a favor e 4 contra) um documento sobre a liturgia que previa a manutenção do latim e dava espaço ao vernáculo “especialmente nas leituras, nas homilias, em algumas orações e nos cantos”. A preocupação de João XXIII e do Concílio era clara: a permanência do latim garantia a solidez da doutrina expressa. Como foi possível “deslatinizar” inteiramente o missal e o breviário?

MISSÃO SECRETA?
“Caro Buan, comunicamos o encargo que o Conselho dos Irmãos estabeleceu para ti, de acordo com o Grão-Mestre e os Príncipes Assistentes ao Trono, e te obrigamos (...) a difundir a descristianização mediante a confusão dos ritos e das línguas e de colocar padres, bispos e cardeais uns contra os outros. A Babel lingüística e ritual será a nossa vitória, como a unidade lingüística e ritual foi a força da Igreja (...) Tudo deve acontecer no prazo de dez anos”. (14 de julho de 1964).
“Grão-Mestre incomparável (...) a dessacralização prossegue rapidamente. Foi publicada uma outra Instrução, que entrou em vigor no dia 29 de junho p.p. Já podemos cantar vitória, porque a língua latina vulgar é soberana em toda a liturgia, inclusive nas partes essenciais (...) Foi dada máxima liberdade de escolha entre os vários formulários, à criatividade particular e ao... caos! (...) Em suma, com esse documento creio ter disseminado o princípio da máxima libertinagem, segundo as vossas disposições. Lutei duramente contra os meus inimigos da Congregação para os Ritos e tive que recorrer a toda a minha astúcia para que o Papa a aprovasse. Por sorte, encontramos o apoio dos amigos e irmãos da Universa Laus, que são fiéis. Agradeço pela soma enviada e esperando vos ver em breve, vos abraço. Vosso Irmão Buan” (2 de julho de 1967).
São trechos de duas cartas. A primeira teria sido enviada a monsenhor Annibale Bugnini (nome em código Buan) pelo Grão-Mestre da maçonaria. A segunda seria a resposta do liturgista ao líder das Lojas, comunicando o cumprimento da missão bem antes do prazo previsto. Esses documentos – gravemente difamatórios para Bugnini, que sempre negou ter mantido contatos com a maçonaria – são verdadeiros ou falsos? É impossível dizer, visto que se trata de cartas datilografadas e fotocopiadas por um misterioso “espião” que em seguida as teria entregue a alguns bispos e cardeais amigos, entre os quais o arcebispo de Gênova, Giuseppe Siri, e o prefeito do Selo Apostólico, Dino Staffa. Se são autênticas, revelam a existência de um “projeto” para destruir a doutrina e da liturgia católica por dentro. Podem também ser falsificações produzidas por alguém interessado em criar “facções” rivais na Cúria. O texto das cartas, de fato, é muito imediatista e grosseiro. Em todo caso, as cartas existem e os resultados das reformas de Bugnini concordam plenamente com os objetivos que fixam.

LITURGIAS ESTRANGEIRAS
O padre Annibale Bugnini foi nomeado secretário da comissão litúrgica criada por Pio XII para reformar o ritual da Semana Santa logo depois da Segunda Guerra Mundial. O seu espírito reformista no campo litúrgico já era conhecido. Em 1944, Bugnini pedira ao padre Arrigo Pintonello, então capelão militar, para traduzir alguns textos de autores católicos e protestantes alemães sobre a renovação litúrgica. Esse fato, confirmado por dom Pintonello (hoje arcebispo emérito de Latina, Itália) a 30Dias, pode mostrar que a reforma realizada sob a direção do Consilium ad exaquandam Constitutionem de Sacra Liturgia – do qual Bugnini foi secretário e sobre o qual exercia uma inegável autoridade – tinha raízes meditadas e preparadas há longo tempo.
Bugnini contou detalhadamente história desse período no livro A Reforma Litúrgica 1948-1975. O livro é uma autodefesa póstuma com a qual o bispo, “exilado” no Irã por Paulo VI, descreve a sua obra e diz que todas as decisões sobre as grandes mudanças litúrgicas foram tomadas pelo Papa em pessoa. “Eu fui apenas um executor fiel da vontade de Paulo VI e do Concílio”.

O CONCÍLIO
No dia 16 de outubro de 1962, os Padres conciliares foram informados que a liturgia seria o primeiro tema a ser discutido naquela sessão. O esquema fora preparado por uma comissão presidida pelo cardeal Gaetano Cicognani, que o aprovou no dia 1º de fevereiro de 1962, quatro dias antes de morrer.
Todavia, o principal responsável pela redação era o secretário Annibale Bugnini. O sucessor de Cicognani foi o cardeal espanhol Arcádio Larraona. Bugnini diz que Larraona era “um grande jurista de tendência conservadora”. A nomeação de Larraona foi divulgada no mesmo dia da promulgação da Veterum sapientiae, e muitos viram nessa coincidência um aviso aos liturgistas que pretendiam favorecer a introdução do vernáculo. O Papa havia criado uma comissão central de preparação do Concílio, cuja tarefa era supervisionar e corrigir o trabalho das comissões preparatórias. O texto de Bugnini foi muito modificado e em seguida publicado juntamente com os esquemas que deveriam ser discutidos pelo Concílio, aprovados por João XXIII no dia 13 de julho de 1962. O próprio Bugnini diz quais foram as correções feitas no texto: “A descentralização tão desejada foi atenuada: as autoridades eclesiásticas locais poderiam somente fazer propostas à Santa Sé (...) não fazia nenhuma menção ao uso do vernáculo na celebração do Ofício Divino pelos sacerdotes.” O padre Bugnini foi o único secretário de uma comissão preparatória que não foi confirmado no cargo de uma comissão conciliar: o cardeal Larraona o afastou. Bugnini foi também exonerado da cátedra de Liturgia no Pontifício Instituto Pastoral da Universidade Lateranense. De nada adiantaram as tentativas dos cardeais Giacomo Lercaro e Augustin Bea junto ao papa João XXIII para reintegrá-lo. Bugnini diz que esse foi o seu “primeiro exílio”. Um cardeal que participou diretamente desses fatos declarou a 30Dias: “Bugnni foi afastado porque quis interferir em coisas que não eram de sua competência e sobretudo porque não era idôneo para o cargo”.
Durante o Concílio, alguém transcreveu em duas colunas o texto aprovado pelo Papa e acrescentou as variações em relação ao primeiro texto, para que os Padres “vissem o que acontecera” (Bugnini, p.38). Assim, os bispos puderam ler a versão oficial, assinada pelo Papa, e o texto anterior, não emendado. O debate teve início no dia 22 de outubro de 1962. O primeiro orador, o cardeal Joseph Frings, pediu que os Padres recebessem o texto original da comissão preparatória, do qual, na sua opinião, tinham sido eliminados muitos pontos importantes e inovadores. O pedido de Frings se baseava em um relatório escrito pelo bispo de Linz (Áustria), dom Franz Zauner, que fora membro da comissão preparatória e possuía o texto original. Um dos pontos controvertidos, citados por Zauner, era a seção intitulada “Língua Litúrgica”. A versão não corrigida autorizava as conferências episcopais a “determinar as condições e as modalidades nas quais o vernáculo podia ser utilizado na liturgia”. O bispo austríaco se opunha também à manutenção do latim na recitação do Ofício Divino.
O pedido de Frings,ao qual aderiu também o cardeal Giovanni Battista Montini, foi acolhido e os textos emendados foram reintegrados. Os cardeais Antonio Bacci, Alfredo Ottaviani e Dino Staffa, e o bispo Pietro Parente eram contra a reintegração. A Constituição Apostólica Sacrosanctum Concilium foi aprovada e promulgada solenemente no dia 4 de dezembro de 1963 por Montini, que sucedera a João XXIII. As diretrizes do esquema preparatório aprovado por João XXIII eram ainda mais restritivas que as aprovadas pelo Concílio, mas nos anos seguintes, graças a contínuas correções e adaptações, as determinações do Vaticano II foram sendo superadas, até que o latim desapareceu totalmente dos missais e dos breviários dos sacerdotes.

O CONSILIUM
No seu livro, Bugnini dá uma explicação diferente para o trecho da Sacrosanctum concilium que afirma: “Seja conservado o uso da língua latina salvo direito particular”. “O problema mais sentido era a língua”. Problema árduo e delicado, que tinha dois aspectos cheios de interrogações: de um lado a tradição da Igreja latina e as vantagens do uso de uma língua única, técnica do ponto de vista litúrgico e jurídico; do outro, o enfraquecimento da incisividade da mensagem e das realidades divinas, devido a uma língua incompreensível para muitos. Tratava-se de renunciar em boa parte ao latim, patrimônio secular da Igreja,ou de reduzir a eficácia mais natural, espontânea e expressiva dos sinais, como a língua.
Entre essas duas perspectivas, o Concílio não hesitou em introduzir o vernáculo na liturgia”. A reforma teve início imediatamente. Na manhã de 3 de janeiro de 1964, o padre Bugnini foi convocado pelo cardeal Amleto Cicognani, Secretário de Estado, o qual comunicou-lhe que o Santo Padre decidira nomeá-lo secretário da Comissão para a atuação da Constituição conciliar, Um bispo romano, amigo do cardeal Larraona, declarou a 30Dias: “O cardeal Lercaro disse ao Papa que tinha sido uma grave injustiça não nomear Bugnini para a secretaria da comissão conciliar. Por isso, Paulo VI, que era particularmente sensível a esse tema, decidiu reintegrá-lo". Assim nasceu o Consilium ad exaquandum Constitutionem de Sacra Liturgia. Paulo VI nomeou o arcebispo de Bolonha, Giacomo Lercaro, para presidi-lo. O cardeal Larraona era um dos membros nomeados pelo Papa. As primeiras normas de aplicação da Sacrosanctum concilium foram promulgadas no dia 25 de janeiro de 1964. A redação esteve a cargo de Lercaro, Bugnini e de outros especialistas escolhidos por Bugnini e, em seguida da Congregação para os Ritos. No fim, o texto foi entregue a Paulo VI. O documento (motu próprio Sacram liturgiam), permitia o uso do vernáculo na leitura e no Evangelho das missas de matrimônio e definia melhor a competência das autoridades eclesiásticas locais em relação aos idiomas nacionais.
As expectativas dos progressistas foram frustradas. Bugnini observa: “O motu próprio concedia pouco em comparação com o muito que a Constituição conciliar permitia (...) A acolhida do tão esperado documento foi festiva, mas se transformou em polêmica assim que os liturgistas e pastores receberam o texto (...) O documento era criticado principalmente porque limitava o direito das conferências episcopais aprovarem traduções”. O protesto da ala progressista do episcopado europeu foi imediato. O bispo Zauner escreveu: “Nós bispos e Padres conciliares estamos angustiados porque depois de tão breve tempo depois da aprovação da Constituição, a Cúria ou setores dela insistem no centralismo e combatem a descentralização com todos os meios”.
O Consilium continuou a trabalhar e os seus membros elaboraram rapidamente a Instrução Inter Oecumenici, publicada no dia 26 de setembro de 1964. As novas normas entraram em vigor no dia 7 de março de 1965, primeiro Domingo da Quaresma, “uma data histórica e um marco para a reforma litúrgica (...) o início do processo de aproximação da liturgia das assembléias participantes e da sua mudança de aspecto, depois de séculos de uniformidade intocável” (Bugnini, p.109). Estes eram os critérios para a introdução do vernáculo: podia ser usado nas leituras, na epístola e no Evangelho, na oração dos fiéis, no Kyrie, no Glória, no Credo, no Sanctus e no Agnus Dei, nos cantos, nas aclamações e saudações, no Pai Nosso, na coleta e na oração sobre as oferendas. Para permitir a preparação de traduções nas diversas línguas com uma certa tranqüilidade, foi admitido o uso provisório das traduções dos missais já utilizados pelos fiéis. Bugnini comenta: “O decreto típico fazia muitas concessões, mas a missa com latim e vernáculo era híbrida e incoerente”. Assim, iniciou-se a batalha pela tradução do prefácio e do cânon. A exigência de ter toda a liturgia na língua nacional se fez sentir sobretudo na Holanda. O comunicado que permitia a extensão do vernáculo foi enviado às conferências episcopais no dia 10 de agosto de 1967. O padre Thierry Maertens, um liturgista favorável às inovações e que participara do Concílio como especialista, escreveu naquela época: “Nada na Constituição conciliar sobre a liturgia fazia supor que um documento poderia permitir, depois de quatro ou cinco anos, a proclamação do cânon em vernáculo”.

TEXTO LATINO AO LADO
O número 57 da Inter Oecumenici previa que os missais e breviários em vernáculo deveriam conter também o texto latino. Essa medida, introduzida pela Congregação para os Ritos, pretendia salvaguardar o patrimônio lingüístico latino na liturgia e sobretudo permitir um confronto contínuo com o texto original. O primeiro missal traduzido foi publicado pela Conferência Episcopal dos Estados Unidos.
O Roman Missal - Missale Romanum não continha o texto latino, apesar o título bilíngüe. Os editores puderam provar que o livro já tinha sido quase completamente impresso quando a Instrução foi publicada. Todavia, a vontade de Paulo VI nesse ponto era clara. No dia 13 de julho de 1967, a Secretaria de Estado pediu que o Consilium publicasse um novo documento determinando que “os missais quotidiano e festivo tenham sempre, com caracteres menores, o texto latino ao lado da tradução”. O comunicado às Conferências Episcopais, de 10 de agosto de 1967, dizia: “É desejo do Santo Padre que os missais festivos e quotidianos, em edição integral ou parcial, tenham sempre ao lado da versão em língua
latina vulgar o texto latino em duas colunas ou na página lateral, e não em fascículos e livros separados”.
Mas o desejo e as disposições de Paulo VI não puderam ser postas em prática. Diz Bugnini: “O princípio, bom em si, encontrava enormes dificuldades: volume excessivo dos livros litúrgicos, dificuldades técnicas sobretudo em países que não usam o alfabeto latino (...). Por isso, o Santo Padre estabeleceu que, pelo menos, no apêndice do missal se encontrasse, obrigatoriamente, uma parte latina com o ordinário da missa, as orações eucarísticas com seus prefácios, alguns formulários de missas para os tempos litúrgicos.
O comunicado enviado aos presidentes das Conferências Episcopais (10 de novembro de 1969) recomendava que em todas as igrejas houvesse uma cópia do missal em língua latina e nos santuários também os textos latinos das missas próprias”.
A história da Liturgia das Horas foi igual. Os primeiros pedidos para a introdução do vernáculo chegaram ao Papa em 1965. Na epístola Sacrificium laudis, endereçada aos Moderatores generales religionum clericarium chori obligatione adstrictarum (15 de agosto de 1966), Paulo VI diz: “Pelo bem que queremos a todos vós, não queremos permitir aquilo que pode causar uma queda, provocar danos e certamente seria motivo de dor e aflição para toda a Igreja. Deixai que nós defendamos os vossos interesses, mesmo contra a vossa vontade. A mesma Igreja que, para utilidade pastoral, ou seja, para o bem dos fiéis que não conhecem o latim, permitiu a liturgia em vernáculo, vos deu o mandato de conservar a dignidade, a beleza e a gravidade do ofício coral, tanto para a língua como para o canto. Por isso, aceitai de bom grado e sinceramente a recomendação, sugerida não por um amor excessivo pelos antigos usos mas pela caridade paterna por vós, e aconselhado por amorosa atenção pelo culto divino”.
Apesar disso, a Secretaria de Estado concedeu um adiamento para “casos particulares” no dia 6 de junho de 1967: depois, com passos seguintes, chegou-se à tradução integral da liturgia das horas.

A REVIRAVOLTA
Com as concessões e os adiamentos – introduzidos por influência dos pedidos provenientes de algumas Conferências Episcopais – as indicações do Concílio foram superadas. Paulo VI advertiu contra o risco do abandono total do latim. No dia 27 de novembro de 1967, o papa disse: “Perdemos a língua dos séculos cristãos, tornamo-nos quase intrusos e profanos no recinto literário da expressão sacra, e assim perderemos grande parte daquele estupendo e incomparável fato artístico que é o canto gregoriano.
Temos, sim, razão para nos lamentar e quase para nos perturbar. O que poderíamos usar para substituir essa língua Angélica? É um sacrifício de valor inestimável (...) O latim colocava em nossos lábios as orações dos nossos antepassados e nos dava o conforto de fidelidade ao nosso passado espiritual, que nos atualizávamos para transmitir às gerações futuras”. Pouco mais adiante, o Papa afirmou que esse preço deveria ser pago: “Vale mais a inteligência da oração que as vestes ricas e vetustas que a envolvem. Vale mais a participação do povo, deste povo moderno, ávido de palavra clara, inteligível e traduzível na sua conversação profana”.
O relacionamento entre o Papa Paulo VI e o Consilium não foi sempre bom. A primeira ocasião de conflito foi determinada por aquilo que Bugnini chama “uma tentativa de reforçar a organização operacional do Consilium”. No dia 22 de setembro de 1966, Lercaro conseguiu fazer com que o Papa estudasse uma hipótese de estatuto e um regulamento interno. O texto do estatuto indicava a natureza do Consilium e as suas atribuições; o regulamento, por sua vez, estabelecia o procedimento do trabalho e dos grupos de estudo. Assim, seria criado um organismo fixo, com amplos poderes no campo litúrgico.
Depois que foi aprovado pelo Consilium, foi submetido a Paulo VI. Antes disso, o Papa recebeu um texto que denunciava o risco de conceder poderes excessivos a um organismo por natureza temporário, colocando a Igreja em estado de Concílio permanente e “sufocando a Congregação para os Ritos (...) convertendo-a em um mero instrumento vacilante e formal. O Consilium não seria um organismo sob a jurisdição do Santo Padre, como as demais Congregações, mas teria um poder absoluto e superior ao de qualquer Congregação”. O texto pedia também que o Papa evitasse um outro fato consumado. Paulo VI deu crédito a essas considerações (“Como foi possível crer em afirmações tão graves e distorcidas sempre foi um mistério”, comenta Bugnini em seu livro), convocou Bugnini para uma audiência e lhe disse que o estatuto era um caso encerrado.
Depois da reforma da Cúria Romana (constituição apostólica Regimini Ecclesiae), o Papa decidiu definir melhor a competência da Congregação dos Ritos e do Consilium. No dia 9 de janeiro de 1968, aceitou a demissão do cardeal Lercaro e pediu que o cardeal Larraona se demitisse do cargo de Prefeito da Congregação para os Ritos. No dia 8 de maio, o Papa promulgou a Constituição Sacra Rituum Congregatio, com a qual dividia a antiga Congregação em duas: uma para o Culto Divino (na qual se inseria o Consilium) e outra para as Causas dos Santos. O cardeal Benno Gut foi nomeado presidente da Congregação para o Culto Divino, com Bugnini como secretário. Depois da morte de Gut (8 de dezembro de 1970), sucederam-se na Congregação os cardeais Artur Tabera e James Knox (março de 1974). No dia 16 de julho de 1975, a Constituição apostólica Constans nobis studium unia a Congregação para os Sacramentos à Congregação para o Culto Divino, da qual se tornou uma seção. “Que motivos levaram o Papa a essa decisão tão drástica, impensada e pesada diante da Igreja?”, diz Bugnini, que, em seguida responde revelando que, na sua opinião, tudo se deve às vozes tendenciosas que o acusavam de ser membro da maçonaria. “No final de agosto, um cardeal nem um pouco entusiasta da reforma litúrgica revelou a existência de um dossiê que ele mesmo viu (ou levou) sobre a mesa do Papa, comprovando a filiação de monsenhor Bugnini à maçonaria”, escreve. Entre os cardeais que deram crédito às notícias sobre eclesiásticos inscritos na maçonaria estavam Staffa e Siri.
Depois da fusão das duas Congregações, o artífice da reforma litúrgica perdeu o lugar. Paulo VI o enviou como pró-núncio apostólico no Irã, onde desenvolveu uma apreciada atividade diplomática até a morte, ocorrida na Itália no dia 3 de julho de 1982, poucos dias depois de uma delicada operação cirúrgica. O cardinalato seria quase obrigatório; todavia, o Papa tomou uma decisão que equivalia a uma autêntica desaprovação da obra de Bugnini. No dia 3 de agosto de 1975, a revista italiana L’Expresso publicou um artigo intitulado “In latino est veritas”, que dizia: “A reforma litúrgica foi paralisada e os seus maiores inspiradores colocados de lado. A Cúria exulta”. A remoção de Bugnini pode não estar ligada aos rumores (e aos documentos verdadeiros ou falsos) que o davam como membro da maçonaria.
Um colaborador direto do cardeal Giovanni Benelli, então substituto da Secretaria de Estado, disse a 30Dias que o motivo foi outro. “O Papa e Benelli decidiram que era preciso dar um sinal claro e severo: não concordavam mais com o contínuo e, muitas vezes desenfreado, reformismo ao qual o monsenhor Bugnini e o “seu Conselho continuavam a submeter a Igreja”.

O PAPA E O SECRETÁRIO
“Paulo VI tinha a humildade dos santos, mas, muitas vezes, confiava demais nos outros e era influenciado pelos especialistas”, diz a 30Dias o cardeal Jacques Martin, que foi presidente da Casa Pontifícia no tempo de Paulo VI. “Lembro-me que no dia seguinte à reforma do breviário, eu disse ao Santo Padre: “Viu que eliminaram a oitava de Pentecostes?” e ele respondeu: ‘O senhor também viu? Sinto muito. Quer dizer que seremos aliados’. Escrevi a monsenhor Bugnini pedindo explicações, e depois de ter recebido a resposta ele me disse que as comissões estavam de acordo quanto à eliminação e que ele não pretendia se opor”.
Muitas testemunhas afirmam que o secretário do Consilium exercia uma notável influência sobre o Papa. Os cardeais Gaetano Cicognani e Benno Gut disseram várias vezes que a reforma e os trabalhos do Consilium eram dirigidos por Bugnini, que tinha livre acesso ao escritório do Papa e podia mostrar-lhe diretamente os documentos preparados pelos especialistas. Um cardeal italiano disse a 30Dias: “Um dia, o cardeal Gut me disse desconsolado que não podia fazer nada: tudo acontecia entre Bugnini e o Papa”. Todavia, a verdadeira mente da reforma e da sua realização era o grupo progressista dirigido pelo cardeal Döpfner. No prefácio da autodefesa póstuma, Bugnini recorda que o primeiro período da reforma litúrgica foi “um tempo sereno e ágil de um pontificado que viu um maravilhoso florescer de obras”.
Depois desse período, alguma coisa se desgastou irremediavelmente. O afastamento de Bugnini foi decidido pelo mesmo Paulo VI que confiara nele depois do Concílio. A reforma podia ser considerada acabada.

AS NORMAS CONCILIARES MAIS DESOBEDECIDAS
1 – O Sacrossanto Concílio propõe-se fomentar sempre mais a vida cristã entre os fiéis.
4 – Enfim, obedecendo fielmente à Tradição, o Sacrossanto Concílio declara que a Santa Mãe Igreja considera todos os ritos legitimamente reconhecidos com igual direito e honra (...) e deseja que, onde for necessário, sejam cuidadosa e integralmente revistos, conforme o espírito da sã tradição.
11 – Por isso, é dever dos sagrados pastores vigiar que, na ação litúrgica, não só se observem as leis para a válida e lícita celebração, mas que os fiéis participem dela com conhecimento da causa, ativa e frutuosamente.
13 – Os piedosos exercícios do povo cristão, conquanto conformes às leis e normas da Igreja, são encarecidamente recomendados, sobretudo quando são feitos por da Sé Apostólica.
21 – A Santa Mãe Igreja deseja com empenho cuidar da reforma geral de sua Liturgia, a fim de que o povo cristão na Sagrada Liturgia consiga com mais segurança graças abundantes. Pois a Liturgia consta de uma parte imutável, divinamente instituída, e de partes suscetíveis de mudança. Estas, com o correr dos tempos, podem ou mesmo devem variar, se nelas se introduzir algo que não corresponda bem à natureza íntima da própria Liturgia, ou se estas partes se tornarem aptas.
22 – A regulamentação da Sagrada Liturgia é de competência exclusiva da autoridade da Igreja. Esta autoridade cabe à Santa Sé Apostólica e, segundo as normas do Direito, ao Bispo. (...) Portanto, jamais algum outro, ainda que sacerdote, acrescente, tire ou mude por conta própria qualquer coisa à Liturgia.
23 – (...) Afinal não se façam inovações, a não ser que a verdadeira e certa utilidade da Igreja o exija e tomando a devida cautela de que as novas formas de um certo modo brotem como que organicamente daquelas que já existiam.
28 – Nas celebrações litúrgicas, cada qual, ministro ou fiel, ao desempenhar a sua função, faça tudo e só aquilo que pela natureza da coisa ou pelas normas litúrgicas lhe compete.
34 – As cerimônias resplandeçam de nobre simplicidade, sejam transparentes por sua brevidade e evitem as repetições inúteis, sejam acomodadas à compreensão dos fiéis e, em geral, não careçam de muitas explicações.
35 – (...) nas próprias cerimônias sejam previstos, se necessário for, breves esclarecimentos (...) com termos prefixados.
36 – Salvo o direito particular, seja conservado o uso da Língua Latina nos Ritos latinos. (...) permite-se dar-lhe (à língua vernácula) um lugar mais amplo, principalmente nas leituras e admoestações, em algumas orações e cânticos.
54 – Todavia, providencie-se que os fiéis possam juntamente rezar ou cantar em língua latina as partes do Ordinário que lhe competem.
101 – Segundo a tradição secular do rito latino, seja conservada a língua latina no Ofício Divino para os clérigos. Concede-se, porém, ao Ordinário a faculdade de permitir, caso por caso, o uso de uma tradução vernácula, feita segundo a norma do art. 36, aos clérigos para os quais o uso da língua latina é um grave impedimento na recitação devido ao Ofício.
116 – A Igreja reconhece o canto gregoriano como próprio da liturgia romana. Portanto, em igualdade de condições, ocupa o primeiro lugar nas ações litúrgicas.
121 – Os textos destinados aos cantos sacros sejam conformes à doutrina católica, e sejam tirados principalmente da Sagrada Escritura e das fontes litúrgicas.

CRONOLOGIA DE UMA EXTINÇÃO
Os documentos sobre o problema da liturgia latina. As datas que marcaram a deslatinização, apesar das intervenções de Paulo VI. 22 de novembro de 1947. Encíclica Mediator Dei, de Pio XII. O Pontífice afirma que o latim “é um nobre e claro sinal de unidade e um antídoto eficaz contra a corrupção da pura doutrina”, embora admita que em alguns casos é possível conceder o uso do vernáculo.
22 de fevereiro de 1962. Sete meses antes da abertura do Concílio Vaticano II, o papa João XXIII promulga a Constituição apostólica Veterum sapientiae.Partindo de um documento de Pio XII, o papa afirma que a Igreja, pela sua natureza, precisa de uma língua “universal, imutável e não vulgar”. O documento foi assinado com grande solenidade na Cátedra de São Pedro, diante de quarenta cardeais.
4 de dezembro de 1963. Paulo VI promulga a Constituição conciliar Sacrosanctum Concilium, sobre a liturgia. O texto, aprovado por unanimidade pelos Padres conciliares, prevê que o latim seja conservado e concede o uso dos idiomas nacionais nas leituras e nas partes da missa repetidas pelo povo. O latim deve ser mantido na Liturgia das Horas para os sacerdotes.
25 de janeiro de 1964. Motu próprio Sacram liturgiam. É o primeiro documento de Paulo VI que regulamenta a aplicação da Sacrosanctum Concilium. O vernáculo é admitido somente nas leituras e no Evangelho das missas de matrimônio. A ala progressista reage imediatamente. Segundo muitos bispos, as concessões são “insuficientes”.
26 de setembro de 1964. Instrução Inter Oecumenici. O vernáculo pode ser introduzido nas leituras e no Evangelho, na oração dos fiéis, no Kyrie, no Glória, no Credo, no Sanctus e no Agnus Dei; nos cantos, nas aclamações e nas saudações, no Pai Nosso e na oração sobre as ofertas. A Instrução preparada pelo Consilium é aprovada pelas Conferências Episcopais que insistiam na introdução do vernáculo na missa, que se torna, porém, “um híbrido incoerente” (Bugnini).
31 de janeiro de 1967. Paulo VI concede ad experimentum, por indicação do Consilium, o uso do vernáculo no cânon da missa.
21 de junho de 1967. Carta circular do Consilium aos presidentes de Conferências Episcopais, assinada pelo cardeal Giacomo Lercaro. “Depois do ponto de partida e da extensão da língua falada no prefácio, esta é a última etapa para a gradual extensão do vernáculo. Não se deve passar freqüentemente de uma língua a outra na celebração; isso será certamente bem recebido (...) A tradução deve ser literal e integral. Os textos devem ser tomados como são, sem mutilações ou simplificações (...) Não é oportuno queimar etapas. Quando chegar o momento de novas criações, não será mais necessário submeter-se às restrições da tradução literal”.
10 de agosto de 1967. Comunicado do Consilium às Conferências Episcopais sobre as traduções do cânon romano. Quatro anos depois da publicação da Constituição conciliar, o latim é completamente suplantado pelas línguas nacionais nas celebrações litúrgicas.
1969 – 1974. Com a tradução integral da Liturgia das Horas, o breviário é “deslatinizado”.


DEMITIDO E AFASTADO
Por Andrea Tornielli

O padre Gottardo Pasqualetti, do Instituto das Missões da Consolata, trabalhou com dom Annibale Bugnini no Consilium, acompanhou-no ao “exílio” no Irã e o ajudou a escrever o livro sobre a reforma litúrgica, publicado póstumo em 1982. Padre Gottardo concordou em falar a 30Dias sobre alguns episódios da reforma litúrgica, em defesa da memória de dom Bugnini.

Por que motivo dom Bugnini não foi confirmado como secretário da comissão conciliar depois de ter ocupado esse cargo na comissão preparatória?
PASQUALETTI: Essa medida foi tomada pelo cardeal Arcádio Larraona, e foi determinada sobretudo pela questão do latim e pelo temor que o vernáculo fosse introduzido na celebração litúrgica. Larraona foi apoiado pelos mestres músicos do Vaticano. O padre Bugnini e dom Andrzej Deskur, que já trabalhava com as comunicações sociais, foram os únicos que perderam o lugar na passagem da fase de preparação ao início dos trabalhos do Concílio.

Passemos ao segundo “exílio”, com a nomeação como pró-núncio no Irã, em 1975. Nesse caso, foi uma verdadeira remoção, decidida por Paulo VI. O que a determinou?
PASQUALETTI: Foi um verdadeiro drama para Bugnini. A sua maior dor foi devida ao fato de ter sido removido sem que as razões do afastamento lhe fossem comunicadas. Até o Papa, que o recebeu em audiência, não disse nada sobre isso. Segundo Bugnini, a decisão foi determinada por uma autêntica conspiração, baseada em documentos falsos segundo os quais ele seria membro da maçonaria.

Não poderia ter sido um julgamento implícito sobre o modo de atuar na reforma litúrgica?
PASQUALETTI: De fato, houve isso também. Em 1974, a situação de Bugnini já era difícil, devido aos constantes conflitos com a Congregação para a Doutrina da Fé, na época dirigida pelo cardeal Seper. Pode parecer paradoxal, mas o relacionamento com a Congregação era melhor no tempo de Ottaviani. Em 1975, Bugnini foi afastado do Consilium, todos os sinais da sua passagem foram cancelados e destruído tudo o que ele construiu. Ainda hoje, quando alguém da Congregação para o Rito fala sobre a reforma litúrgica, evita citar o nome de Bugnini.

Foi dito muitas vezes que dom Bugnini exercia uma grande influência sobre Paulo VI, que tinha livre acesso ao seu escritório e podia apresentar-lhe diretamente qualquer documento. O cardeal Journet disse que no famoso caso do artigo 7 da definição da missa, Paulo VI teria assinado sem ler, tão grande era a confiança que depositava em Bugnini. É verdade?
PASQUALETTI: Sem dúvida, Bugnini exercia uma certa influência sobre Paulo VI, mas dizer que o papa assinava sem ler não é verdade. Bugnini apresentava muitos documentos a Paulo VI, tanto que alguns cardeais reclamaram porque o papa trabalhava excessivamente. Os documentos apresentavam todas as posições e todas as soluções possíveis. Pode ser que algo tenha escapado à atenção do Papa. Em todo caso, os dois trabalhavam juntos por muitas horas e reviam todos os textos.

A MISSA DEGENERADA EM SHOW
por Joseph Ratzinger

O ex prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé fala sobre a reforma litúrgica Um jovem sacerdote disse-me recentemente: “Hoje precisamos de um novo movimento litúrgico”. Era a expressão de um desejo que, nos nossos dias, só espíritos voluntariamente superficiais poderiam descartar. Para aquele sacerdote, o importante não era a conquista de liberdades novas e audaciosas: nós já não tomamos todas essas liberdades? Ele entendeu que nós precisamos de um novo começo, que nasça no íntimo da liturgia, como queria o movimento litúrgico quando estava no apogeu de sua verdadeira natureza e não se preocupava em fabricar textos, inventar gestos e formas, mas em redescobrir o centro vivo, penetrar no tecido propriamente dito da liturgia, para que a sua realização nascesse da substância da liturgia. A reforma litúrgica, na sua realização concreta, afastou-se dessa origem. O resultado não foi uma reanimação mas uma devastação. De um lado, temos uma liturgia que se degenerou em show, com a tentativa de fazer com que a religião seja interessante com a ajuda de tolices da moda e de máximas morais sedutoras, que fazem sucesso momentâneo no grupo de fabricantes litúrgicos, e leva a uma atitude de fechamento ainda mais pronunciada entre aqueles que procuram na liturgia não um show-master espiritual mas o encontro com o Deus vivo diante do qual o “fazer” se torna insignificante, porque só esse encontro é capaz de nos possibilitar o acesso às verdadeiras riquezas do ser.
Do outro lado, há a conservação das formas rituais cuja grandeza comove ainda hoje, mas que, levado ao extremo, manifesta um isolamento obstinado e no fim só produz tristeza. Certamente, existem entre esses extremos sacerdotes e paroquianos que celebram a nova liturgia com respeito e solenidade, mas eles são contestados pela contradição entre os dois extremos, e a falta de unidade interna na Igreja faz com que a sua fidelidade pareça, erradamente em muitos casos, como uma simples variação pessoal do neoconservadorismo. Em vista dessa situação, é necessário um novo impulso espiritual para que a liturgia seja novamente para nós uma atividade comunitária da Igreja e para que ela seja arrancada da arbitrariedade dos párocos e das suas equipes de liturgia.
Não podemos “fabricar” um movimento litúrgico desse tipo – como não podemos “fabricar” nada vivo – mas podemos contribuir para o seu desenvolvimento, esforçando-nos para assimilar novamente o espírito da liturgia e defendendo publicamente o que recebemos. Esse novo início precisa de “pais” que sejam modelos e não se contentem em indicar o caminho a seguir. Quem hoje procura esses “pais” encontrará sem dúvida a pessoa de monsenhor Klaus Gamber, que infelizmente nos deixou cedo demais, mas que pode ser, justamente pela sua partida, realmente presente com toda a força das perspectivas que nos abriu. Partindo, ele evita a querela dos partidos e pode, nesta hora de dificuldade, ser o “pai” em um novo começo. Gamber atuou de coração a esperança do antigo movimento litúrgico. Sem dúvida, visto que provinha de uma escola estrangeira, sempre foi um outsider no cenário alemão, onde não quisemos admiti-lo. Recentemente, um jovem pesquisador teve dificuldades na sua tese porque ousou citar Gamber abundantemente e com muita benevolência. Mas pode ser que esse ostracismo seja providencial, porque forçou Gamber a seguir o seu caminho e evitou o peso do conformismo.
È difícil dizer em poucas palavras aquilo que, na querela dos liturgistas, é realmente essencial e o que não é. Pode ser a indicação seguinte seja útil. J. A. Jungmann, um dos grandes liturgistas do nosso século, definiu a liturgia como a entendemos no Ocidente, sobretudo através das pesquisas históricas, como uma “liturgia fruto de um desenvolvimento”, provavelmente para contrastar a noção oriental que não vê na liturgia um devir e um crescimento histórico mas só o reflexo da liturgia eterna, na qual a luz, através da função sacra, ilumina o nosso tempo e o reveste com a sua beleza e grandeza imutáveis. As duas concepções são legítimas e não inconciliáveis. O que aconteceu depois do Concílio foi muito diferente: em lugar de uma liturgia fruto de um desenvolvimento contínuo, surgiu uma liturgia fabricada. Saímos do processo vivo de crescimento e de devir para entrar na fabricação. Não quisemos prosseguir o devir e o amadurecimento orgânico do que vive através dos séculos, e o substituímos – como na produção técnica – por uma fabricação, um produto banal do instante. Gamber, com a vigilância de um autêntico profeta e a coragem de um testemunha, opôs-se a essa falsificação e nos ensinou incansavelmente a plenitude viva de uma liturgia verdadeira, graças ao seu grande conhecimento. Como homem que conhecia e amava a história, ele nos mostrou as múltiplas formas do devir e do caminho da liturgia; como homem que via a história por dentro, ele viu nesse desenvolvimento o reflexo intocável da liturgia eterna, que não é objeto da nossa ação mas pode continuar maravilhosamente a amadurecer e a afirmar-se se nós nos unimos intimamente ao seu mistério. A morte desse homem e sacerdote eminente deve nos estimular; a sua obra pode nos ajudar a tomar novo impulso.
(Prefácio do livro La réforme liturgique em question, de Klaus Gamber, Editions Sainte-Madeleine)


TRADUZIDOS E TRAÍDOS
(por Lorenzo Bianchi)

Interpretar, suprimir e adequar: foram esses os princípios que os liturgistas seguiram.
Distorcendo tudo.
Traduzidos ou traídos?

O desaparecimento repentino do latim e a conseqüente utilização do vernáculo nos livros litúrgicos teve graves conseqüências. Apresentamos a seguir alguns trechos dos documentos que a partir do Concílio ditaram as regras a serem seguidas na tradução.
A Instrução Inter Oecumenicis, da Sagrada Congregação para os Ritos (26 de setembro de 1964) estabeleceu a necessidade de uma “tradução perfeita”. Quase três anos depois, uma carta circular do Consilium aos presidentes das Conferências Episcopais (21 de junho de 1967), assinada pelo cardeal Giacomo Lercaro, acrescentou os seguintes elementos: “Deve ser preparada uma tradução nova, bem cuidada e digna. Além disso, a tradução deve ser literal e integral (em itálico no original, nda). Os textos devem ser tomados como são, sem mutilações ou simplificações de nenhum tipo”. Todavia a carta dizia também: “Não é oportuno queimar etapas. Quando chegar o momento de novas criações, não será mais necessário submeter-se à estreiteza da tradução literal”. Naquela época, o filósofo Jacques Maritain, escreveu a Paulo VI: “Na verdade, o primeiro dever de um tradutor que não queira ser um traidor é respeitar sempre a palavra que foi usada pelo autor (que ele, ou o Espírito Santo que o inspirou, teve razões para escolher em lugar de outra) e procurar um equivalente exato, mesmo ao preço da obscuridade. Obscuridade inevitável, obscuridade bendita, porque é a sombra que a grandeza das coisas divinas lança sobre a nossa linguagem humana”. Todavia, como vimos, já em 1967 a “tradução literal” era algo que os responsáveis pela atuação da reforma litúrgica a consideravam superável no futuro. Pouco antes da publicação do novo Missal Romano reformado, no início de 1969, foi promulgado um longo documento oficial: a Instrução do Consilium sobre a tradução dos textos litúrgicos, intitulada Comme le prévoit (25 de janeiro de 1969). O texto, muito detalhado e aparentemente esclarecedor, dava espaço a interpretações incrivelmente discordantes: de um lado, destacava a necessidade de uma fidelidade total ao texto latino, e do outro introduzia um conceito paralelo de “tradução livre”. O número 34, por exemplo, diz: “As ‘orações’ do antigo patrimônio romano, muito concisas e cheias de idéias, poderão ser traduzidas com mais liberdade; sejam conservadas as idéias, ampliando com moderação – se necessário – a formulação, para melhor ‘atualizar’ o seu conteúdo à celebração e às exigências de hoje”. Além disso, encontram-se em outras partes do texto algumas afirmações que abrem caminho para o arbítrio interpretativo: “Em alguns casos, é difícil entender a concepção das realidades expressas, seja porque é um choque para o senso cristão atual (por exemplo, ‘terrena despicere’ ou ‘ut inimicos sanctae Ecclesiae humiliaris digneris’) seja porque não toca mais o coração dos contemporâneos (por exemplo, algumas expressões antiarianistas), seja porque não se presta à oração atual (por exemplo, certas alusões a formas penitenciais em desuso). Nesses casos, não basta suprimir o que não serve: é necessário encontrar a forma de exprimir em linguagem atual as realidades evangélicas equivalentes”(nº 24c). É uma inversão total das considerações de Maritain! É, portanto compreensível a preocupação de Paulo VI - cujo pedido de publicar o texto latino ao lado ou pelo menos em apêndice no missal não foi atendido por supostos “motivos técnicos” – que, no discurso aos participantes do Congresso organizado pela Comissão de Liturgia Italiana (17 de fevereiro de 1969), disse: “Trabalhar bem quer dizer elaborar perfeitamente (em itálico no original, nda) – as traduções dos textos litúrgicos, principalmente agora que nos adentramos no recinto augusto, austero, sacro, venerável e tremendo das Orações Eucarísticas, que antigamente a ‘Disciplina do Arcano’ quis proteger durante longo tempo da indiscrição e da profanação, e que por isso merecem toda a sensível atenção da piedade, da doutrina e da expressão em vernáculo.
Nesse aspecto, será oportuno proceder com paciência, sem pressa e sobretudo com humildade, pedindo a colaboração de muitos, não só dos teólogos e liturgistas mas também de literatos e revisores de estilo, para que as traduções sejam documentos de reconhecida beleza, que possam desafiar a usura impiedosa do tempo com a propriedade, a harmonia, a elegância e a riqueza da expressão e da língua, em plena correspondência com a riqueza interior do conteúdo”. Naquele mesmo ano foi publicada a primeira tradução “típica” e oficial em língua italiana, limitada ao Rito da missa.
A terceira Instrução da Congregação para os Ritos para a aplicação exata da Constituição sobre Sagrada Liturgia, Liturgicae Instarationes (5 de setembro de 1970), não fala mais da tradução “literal” pedida três anos antes: “A compreensão da reforma litúrgica exige que seja feita um grande esforço para uma digna tradução em vernáculo e a publicação dos livros litúrgicos renovados(...) Nesse aspecto, será oportuno proceder sem pressa e sobretudo com humildade, pedindo a colaboração de várias pessoas, não só os teólogos e liturgistas mas também de literatos e revisores de estilo, para que as traduções sejam documentos de reconhecida beleza, possam desafiar a usura do tempo com a propriedade, a harmonia, a elegância e a riqueza da expressão e da língua, em plena correspondência com a riqueza interior do conteúdo” (nº 11 – note-se que curiosamente Bugnini reproduz a frase de Paulo VI acima citada, suprimindo a menção à humildade que o Papa pedia aos tradutores). Portanto, a tradução, especialmente nas “orações”, como previsto nas normas publicadas em 1969, poderá afastar-se da letra do texto latino.
Foi o que aconteceu com o missal italiano: menos de dois meses depois, ficou pronta a tradução completa “ad interim”, aprovada pela Conferência Episcopal Italiana, na qual é possível notar essa tendência, que se acentuou nas edições típicas oficiais de 1973 e 1983. Em, 1973, a Congregação para o Culto Divino enviou aos presidentes das Conferências Episcopais uma carta circular sobre as traduções das fórmulas sacramentais (Dum toto terrarum, 25 de outubro), na qual dá a entender que estas também podem ser interpretadas e cita explicitamente o caso de diferenças em relação ao texto latino: “Se as fórmulas que se referem à essência dos sacramentos não são traduzidas literalmente, é necessário apresentar as razões pelas quais foram feitas mudanças em relação ao texto latino”.
Diante das várias interpretações dos textos, foi necessária uma declaração da Congregação para a Doutrina da Fé (Instauratio liturgica, de 25 de janeiro de 1974, assinada pelo prefeito, cardeal Franjo Seper, e pelo secretário, monsenhor Jean Jerôme Hamer que dizia: “A Sé Apostólica (...) aprova e confirma (as versões em vernáculo das fórmulas sacramentais) e estabelece ao mesmo tempo que o seu significado é, na mente da Igreja, o significado expresso pelo texto original latino”. Assim, pelo menos o essencial era preservado.